“Em plena luz do dia, até os sons brilham.” Fernando Pessoa traduziu em palavras uma marca de Lisboa: a luz natural, o céu, os dias claros. Ainda que não tenha sido cantada em verso e prosa, tal característica também é exibida em Belo Horizonte com a chegada do outono.
“A cor do céu e, sobretudo, o pôr do sol. Lindo, lindo. A própria qualidade da luz me faz lembrar um pouco de Lisboa”, diz a diretora portuguesa Leonor Teles, de 32 anos.
Há um mês ela tem convivido com os tons do céu na capital mineira nos fins de tarde. E a luz é essencial para seu trabalho – Leonor é a fotógrafa do novo filme da produtora Filmes de Plástico. Em 1º. de maio, teve início, em Contagem, a filmagem de “Se eu fosse vivo... vivia”, quarto longa de André Novais Oliveira.
É uma história sobre luto. Foi concebida após a morte de Maria José Novais Oliveira, a dona Zezé, mãe do diretor. Ela não estará em cena, mas seu viúvo, Norberto, sim – o casal se tornou ator na maturidade por meio das produções do filho.
Convite
Leonor filma com André até a metade de junho. Esta é sua primeira vez no Brasil. O convite para trabalhar com a Filmes de Plástico veio antes da pandemia, quando havia uma possibilidade de coprodução com Portugal, que não se concretizou, mas o convite se manteve.
Ela desembarcou em BH com duas pessoas de sua equipe. Todo o restante é de profissionais brasileiros. “É uma maneira de trabalhar diferente, mas que tem muito aprendizado. É uma equipe maior do que estou habituada. André tem muita sensibilidade. É sempre especial, pois nos filmes ele trabalha com a família e os amigos. Essa harmonia é muito boa e o meu maior desafio, no bom sentido, tem sido perceber como é a cabeça dele e como posso contribuir para as decisões do filme.”
A estreia de Leonor no cinema foi ruidosa – muito mais do que ela imaginava. Tinha 23 anos quando se tornou, em 2016, a mais jovem diretora a levar um Urso de Ouro para curtas no Festival de Berlim, com “Balada de um batráquio”, seu primeiro filme após a graduação pela Escola Superior de Teatro e Cinema.
“Foi um pouco inusitado uma coisa muito grande acontecer de repente. A exposição, pelo menos em Portugal, foi um pouco estranha. Mas foi muito bom para continuar a filmar depois. Em termos de financiamento, foi ótimo”, diz Leonor. O curta também levou, em 2016, o principal prêmio do FestCurtasBH.
Ciganos
Nascida em Vila Franca de Xira, nas proximidades de Lisboa, de ascendência (paterna) cigana, em “Balada de um batráquio” ela retratou uma antiga tradição portuguesa de colocar sapos de louça na entrada dos estabelecimentos comerciais para evitar a entrada de ciganos.
“Quando estamos falando de cinema independente, acho que é uma questão política. O que estamos a fazer está muito próximo da arte. É uma obra para nos fazer sentir efetivamente alguma coisa, pensar. Não estou fazendo (filmes) para obter lucro. Se obtiver, melhor, mas não é sobre isso. O objetivo é ver o cinema enquanto forma de expressão artística. Então, cinema é política”, ela diz.
Depois deste curta, vieram o longa documental “Terra franca” (2018), o curta “Cães que ladram os pássaros” (2019) e a estreia na ficção em longa-metragem, “Baan” (2023). Este último, rodado entre Lisboa e Bangkok, acompanha duas mulheres. Teve première no Festival de Locarno, na Suíça, no ano passado e, em fevereiro deste ano, chegou aos cinemas portugueses.
Baan significa casa em tailandês. “Mas esta casa pode ser muita coisa, não tanto no sentido físico do edifício, mas mais no emocional, do lugar (ou de uma pessoa) onde nos sentimos bem. Filmei a Lisboa que vivo, a cidade em que as pessoas da minha geração, que acabaram a universidade há pouco tempo e começaram a trabalhar e têm que entrar na vida adulta”, conta Leonor, que rodou na Tailândia por um desejo. “Tenho paixão pelo cinema asiático e depois das viagens que fiz, comecei a perceber que existiam muitas semelhanças entre nós.”
Daqui a algumas semanas, quando terminar de filmar com André, vai conhecer o Rio, antes de voltar a Portugal. Tem outro filme para fazer em 2024, mais uma vez como diretora de fotografia. É a função que mais lhe interessa.
“É muito melhor do que a direção porque é mais tranquilo, o nível de responsabilidade é muito menor. (Na fotografia) Estamos para ajudar e para construir em conjunto a visão de outra pessoa. Eu não tenho que estar ali quebrando a cabeça e tentando resolver os problemas. É um lugar que me dá mais prazer do que o da direção, que é a posição em que mais se sofre, pois você também está fazendo a gestão da equipe, da logística, procurando financiamento. Ou seja, está sempre se desdobrando com mil preocupações, fazendo uma ginástica que requer muita energia”, comenta Leonor.