O Brasil chega ao Festival de Cannes com bastante representatividade. Há um curta e um longa nacionais na competição pela Palma de Ouro na 77ª edição do evento, que vai desta terça-feira (14/5) ao próximo dia 25. Outros quatro filmes foram selecionados para as mostras paralelas Cannes Classics, Quinzena dos Realizadores e Semana da Crítica.
Em seu oitavo longa e na sexta participação em Cannes, Karim Aïnouz é só alegria. “Motel Destino”, com sessão de gala no dia 22, está entre os 19 longas da competição. Em 2023, o diretor competiu com a produção britânica “Firebrand”, que estreia no Brasil em setembro.
“O que tem de mais bacana são os filmes brasileiros em Cannes depois de quatro anos de um governo fascista, quando todos os instrumentos de fomento cultural foram exterminados, e ainda após uma pandemia. Para mim, é muito significativo”, afirma.
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Pessoalmente, a seleção tem um peso para Aïnouz, que voltou ao filmar em seu Ceará natal após uma década (“Praia do Futuro”, de 2014). “Grande parte da equipe veio da escola que formamos (Laboratório de Cinema Porto Iracema das Artes, concebido por ele, Marcelo Gomes e Sérgio Machado em Fortaleza, em 2013). O roteirista principal de ‘Motel Destino’ (Wislan Esmeraldo) fez parte da segunda turma da escola.”
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A maior parte da filmagem ocorreu em um motel alugado pela equipe do filme. Heraldo (Iago Xavier) está em fuga. Encontra o Motel Destino, administrado pelo casal Dayana (Nataly Rocha) e Elias (Fábio Assunção). Começa a trabalhar no local enquanto ganha tempo para escapar. Aos 21 anos, é seduzido por Dayana, que sofre com um casamento tóxico. Os dois começam uma relação proibida.
“O filme tem uma questão erótica muito forte, é uma espécie de rito de passagem, pois esse garoto de 21 anos cai num lugar onde tudo pode”, diz Aïnouz. As referências foram o cinema americano dos anos 1940 e 1950 – “que utilizava sombra e luz para criar tensão; no nosso caso, utilizamos a cor” – e as pornochanchadas.
Elenco cearense
À exceção de Assunção, cujo personagem é um forasteiro, todo o elenco de “Motel Destino” é cearense. “Queria uma equipe local também na frente das câmeras”, afirma o diretor.
O outro brasileiro na disputa pela Palma de Ouro é André Hayato Saito. O seu “Amarela” ficou entre os 11 selecionados (entre 4,4 mil inscritos) para a competição de curtas. A partir da própria vivência, Saito criou a história de Erika Oguihara (Melissa Uehara), adolescente nipo-brasileira que está ansiosa pela final da Copa do Mundo de 1998 entre Brasil e França. Ainda que não se veja nas tradições japonesas dentro de casa, ela percebe que é vista como estrangeira em seu país. Fernanda Takai é produtora associada.
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Selecionado para a Semana da Crítica, “Baby”, segundo longa de Marcelo Caetano, terá première no dia 21. Será a primeira exibição pública de um filme cujo ponto de partida data de sete anos atrás, quando o diretor mineiro radicado em São Paulo recebeu um fundo para desenvolvimento no Festival de Roterdã (Holanda), quando lançava seu filme de estreia, “Corpo elétrico”.
O processo de concepção de “Baby” foi longo, mas sua realização, não – foi rodado em setembro de 2023, em São Paulo. O diretor segue enfocando personagens que habitam o Centro da capital paulista. “É onde vivo e filmo desde o meu primeiro curta, em 2008”, conta ele, que queria falar sobre a solidariedade que permeia a vida das pessoas que vivem à margem. “Meu foco não foi tentar mostrá-las como vítimas do sistema, mas como pessoas que resistem a ele.”
Wellington (João Pedro Mariano) acabou de completar 18 anos e foi liberado de um centro de detenção. Sem família, passa a viver nas ruas, até conhecer Ronaldo (Ricardo Teodoro), homem de 42 que ganha a vida fazendo programas.
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“O filme acompanha a relação dos dois, que é de amor, mas também muito conflituosa. Queria entender a juventude LGBT do Centro de São Paulo, que está completamente abandonada, com poucas políticas públicas. Com isto, crescem os problemas psicológicos, sociais e a entrada nas drogas é violentíssima”, diz Caetano.
O diretor testou 2 mil atores até chegar aos dois principais – que, assim como ele, são mineiros vivendo em São Paulo (João Pedro é de Guaxupé e Ricardo, de Governador Valadares).
Também na Semana da Crítica está o curta em animação “A menina e o pote”, de Valentina Homem. O filme partiu de um conto escrito pela diretora em que ela tentava traduzir as experiências do início da vida adulta. Outra referência é o livro “A queda do céu”, de Davi Kopenawa.
A obra do xamã Yanomami também poderá ser vista em um documentário de Eryk Rocha e Gabriela Carneiro da Cunha selecionado para a Quinzena dos Realizadores. “A queda do céu" acompanha o Reahu, ritual funerário e mais importante cerimônia dos Yanomami. A seção Cannes Classics exibirá “Bye, Bye, Brasil” (1979), de Cacá Diegues.
O país ainda será visto no documentário “Lula”, de Oliver Stone, exibido fora de competição, na chamada Cannes Première. O cineasta norte-americano trata da prisão de Lula entre 2018 e 2019 e de seu retorno ao poder.