Chan Marshall – Cat Power, como todos a chamamos – vem ao Brasil desde 2001. Foram, até então, sete temporadas, alguns shows memoráveis – para o bem, no caso do Tim Festival no Rio e São Paulo em 2007, e para o mal, quando ela deixou o palco do Popload, na capital paulista, sete anos mais tarde, ao ouvir alguém da plateia mandar um sonoro “fuck you”.

 


A despeito disso sempre celebrada, a musa indie (de mais de uma geração), aos 52 anos, tem uma missão. Apresentar a obra daquele que a acompanha desde a infância. Foi por meio da música de Bob Dylan que a garotinha Charlyn Marie Marshall, vinda de uma família disfuncional de Atlanta, passou a entender o mundo.

 



 


A devoção ao cantor e compositor resultou no álbum “Cat Power sings Dylan: The 1966 Royal Albert Hall Concert”, que ela vai apresentar neste domingo (19/5), no Parque Ibirapuera, em São Paulo, na segunda edição do C6 Fest, festival que começa nesta sexta-feira (17/5).

 


O álbum reúne as 15 canções registradas por Dylan em 17 de maio de 1966, em Manchester, Inglaterra. Sensação folk e referência máxima nas canções de protesto, ele, então com 25 anos, deixou o violão e plugou sua guitarra Fender. Foi chamado de traidor pela plateia e fez história.

 


Cat Power toca as canções nas mesmas ordem e maneira (acústica e elétrica). “Muitas pessoas fazem tributos post mortem, mas eu queria fazer esse disco porque ele ainda está aqui”, afirma ao Estado de Minas na entrevista a seguir.

 


Acho que devemos começar falando sobre sua relação com Bob Dylan. Quando você se conectou com a música dele?


Fui criada por minha avó, conheci meus pais (um músico de blues ausente e a mãe de quem mais tarde ela se afastaria) quando tinha 5 anos. Aprendi muita música com aqueles malucos e percebi que Bob era uma pessoa que tinha muito a dizer. À medida que fui crescendo, comecei a pesquisar suas músicas. Com 14, 15, 16 anos, minha vida pessoal era muito sombria. Billie Holiday me ofereceu graça e segurança, mas eu soube que Bob poderia me ajudar em questões maiores. Lembro-me da primeira vez que o vi tocando “Tangled up in blue”. Eu gritava sem parar porque sabia que ele fazia três bis. E finalmente ele apareceu sozinho com um mandolim e tocou “Tangled up in blue”. Quando tinha 17 anos, ouvi “To Ramona”, música sobre a total e absoluta honra, respeito e proteção para essa mulher. E eu nunca tinha ouvido uma música em que também me sentisse assim. Tanto que até hoje é a minha favorita dele. Quando tinha 20 anos, vi o documentário “Don't look back” (1967). E ali tive uma afinidade romântica. Foi como Patti Smith me disse: 'Bob era meu namorado. Na verdade, ele não era realmente meu namorado, mas no meu coração era como se estivesse desempenhando aquele papel'. Isso explicou todos os sentimentos que tive por ele durante tantos anos. Quando o conheci, em 2007, vi como era o cavalheiro perfeito. Três dias antes do show (de gravação do álbum), pude vê-lo em Glasgow (Escócia). O vi em três shows antes de ir para Londres gravar o disco e foi a melhor vez que ouvi a voz dele. Acho que já vi uns 30 shows. Isso diz muito, pois Bob está fazendo isso há 65 anos. Recomendo fortemente que todos os vejam. Meu disco é como um buquê de flores para ele, porque ele ainda está na Terra. Muitas pessoas fazem tributos post mortem, mas eu queria fazer este disco porque Bob ainda está aqui.

 


Você sabe se ele ouviu seu disco?


Eu poderia descobrir, mas não quero. Este não é o ponto quando você dá um presente de coração para alguém. Mas no ano passado fiz dois shows em Los Angeles. E ele, pouco depois, pegou a banda de Tom Petty (The Heartbreakers) e, mesmo sem anunciar o show, tocou em Indiana quatro canções do álbum. Pensei: “Uau, isso significa alguma coisa.”

 

 

 


Você foi relativamente fiel à gravação original. Como foi o processo?


Ensaiei um pouco, uma tarde, com a banda, para garantir. Quando Bob saiu em turnê em 1966, foi muito cobrado. Foram três meses (de shows) e ele não desistiu. Era vaiado em todos os shows. Eu queria oferecer graça, dignidade e honra a essas músicas. E trazer algumas melodias vocais para o disco. Além disso, são músicas que canto desde jovem, e sempre o fiz em harmonia com Bob.

 

 


Estamos falando de um universo de 15 canções. Qual a sua favorita?


“Mr. Tambourine Man”, porque ela traz algo de espiritual. É como a fotografia de um conto de fadas que está impressa em todos nós, esta música tira a nossa natureza cínica. Como adultos, vimos alguns horrores. Nos últimos tempos com a Palestina, com as pessoas finalmente compreendendo sobre o Congo e o Sudão e com todo o tipo de merda que continuamos aprendendo sobre esses mestres da guerra. Há algo nesta música que nos conecta com a inocência e com o nosso senso de liberdade. Quero dizer, essa é a música que disse basicamente sobre a revolução para as pessoas.

 


Já que você virá ao Brasil para um único show, dá para esperar alguma canção sua?


Não, não, não. Não agora. Tenho um trabalho muito específico. Minha missão é levar essas músicas a ouvidos que talvez não estejam familiarizados com Bob Dylan. O ano de 1966 foi um momento muito importante de mudança em todo o mundo e neste mundo de agora, de 2024, é também um momento para mudanças. Se as pessoas não estão cientes do movimento daquela época, talvez elas possam aprender sobre os movimentos que existem hoje. É possível levar o destemor ao coração.

 


C6 FEST


Desta sexta-feira (17/5) a domingo (19/5), no Parque Ibirapuera, em São Paulo. Ingressos disponíveis para os shows de sábado (18/5) e domingo, a partir de
R$ 290 (por dia). Programação completa e vendas no site c6fest.com.br

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