Em 1991, o músico, arranjador e compositor Jaques Morelenbaum comprou seu primeiro computador. Pegou suas antigas agendas e criou um arquivo: discos, performances, música para cinema e teatro, cursos, críticas, premiações. Anotou tudo.

 


"Isto virou uma atividade metódica e se tornou uma forma de eu lembrar de detalhes de cada acontecimento. Com a vida passando, e a experiência somada, às vezes, você esquece", ele diz.

 


O arquivo criado pouco mais de 30 anos atrás tem hoje 145 páginas. E não para de crescer. Morelenbaum chega neste sábado (18/5) aos 70 anos de idade com números exponenciais: participação em 907 álbuns e cerca de 2,9 mil performances. Acredita que, até o fim de 2024, alcançará as 3 mil, já que a agenda está cheia até dezembro.

 



 


A efeméride não é única. Ele também está completando 50 anos de carreira. O marco que criou para si foi a gravação do primeiro álbum, "A Barca do Sol" (1974), trabalho de estreia do grupo homônimo, que nasceu no ambiente do rock progressivo, fortemente influenciado por Egberto Gismonti (que produziu o disco), Clube da Esquina e Hermeto Pascoal.

 

Trio no palco

 

Nesta noite, vai celebrar a vida e a carreira da melhor maneira, tocando. No Clube do Choro, em Brasília, o violoncelista vai se apresentar com a própria banda, o CelloSam3aTrio, que formou com o violonista Lula Galvão e o baterista e percussionista Marcelo Costa, seu parceiro desde A Barca.

 


Não dá para ouvir a (boa) música brasileira do último meio século sem ouvir Jaques (Jaquinho é como os amigos lhe chamam) Morelenbaum. A bordo de seu violoncelo, ele já conduziu vários grandes, Caetano Veloso e Gal Costa os mais constantes. Durante uma década, acompanhou Tom Jobim na Nova Banda. E fez história com nomes internacionais, a cabo-verdiana Cesária Évora, o norte-americano David Byrne e o japonês Ryuichi Sakamoto, com quem tocou por 30 anos.

 


É tão eclético que já gravou até percussão com Carlinhos Brown. "Eu estava gravando com a Marisa Monte em um estúdio e ele estava no andar de cima, também gravando. Foi nos fazer uma visita e colocou um instrumento de percussão na mão de cada um. Então fomos seguir o mestre", conta, bem-humorado, ao lembrar do inusitado da situação.

 

 


Não tinha como ele fugir à música. Mas fez, ao longo do caminho, suas próprias escolhas. Filho do maestro Henrique Morelenbaum (que dirigiu a Sala Cecília Meirelles e o Theatro Municipal, onde também foi regente da orquestra e do coro) e da professora de piano Sarah Morelenbaum, começou a aprender música ainda sem saber ler.

 

Iniciação musical

 

Tinha não mais do que três anos quando sua avó, depois de casar as filhas, alugou um quarto para uma jovem gaúcha que havia ido para o Rio de Janeiro estudar música. Era a futura compositora, maestrina, professora e pianista Esther Scliar, que pagava o aluguel dando aulas de iniciação musical para os netos de sua senhoria.

 


Poucos anos depois, Morelenbaum iniciou no piano. "Meu pai era violinista, depois maestro, então sentia muita falta de ter tido uma formação no piano. Fez questão de que os filhos começassem pelo piano. Depois, todo mundo tinha direito de escolher o próprio instrumento", ele conta.

 


A escolha pelo violoncelo veio aos 12 anos. "É um instrumento que me dá a possibilidade de me atualizar. Além disso, o som é mais flexível, se adapta a mais estilos de música."

 


Já naquela altura, ele sabia que queria fazer música popular. A influência não foi Jobim ou Caymmi, mas os Beatles. "A cultura dentro de casa era europeizada, só música erudita. Tinha 10 anos quando ouvi Beatles na escola. Fiquei totalmente domado", conta ele, que fez parte de uma banda no colégio – tocava baixo elétrico enquanto o colega Leo Gandelman era o pianista.

 

 


Aos 18, integrou o Antena Coletiva, banda de rock. Poderia ter ido por esse caminho, não fosse um curso de férias que fez no verão em Curitiba, quando conheceu os músicos com quem formaria A Barca do Sul.

 


Nesta época, Morelenbaum tinha 20 anos e cursava o primeiro ano de Economia. No retorno ao Rio, não pensou duas vezes. Trancou a matrícula na faculdade. "Meus pais faziam questão de que todos os filhos tivessem uma profissão que não fosse a música. Briguei muito com meu pai, ele não me perdoou durante muitos anos (pelo abandono da universidade)."

 


Uma relação muito diferente do que a que ele tem com a própria filha, Dora, que depois do Bala Desejo está preparando um álbum solo. "Ela teve muito mais coragem do que eu. Para mim, de cabelos compridos e calça rasgada, foi difícil convencer meu pai, um maestro erudito supercareta, de que iria ganhar a vida com música. A Dora largou o segundo ano do curso de Arquitetura e falou para a gente que queria fazer o que gostava."

 


Pai e filha são parceiros. "Para o novo disco dela, me convidou para fazer um arranjo a quatro mãos. Também tinha me pedido três arranjos para o Bala Desejo, o que me deixou muito orgulhoso. O sonho de consumo de qualquer pai é ser aprovado pelos filhos. Não poderia ter prova maior de aprovação do que ela me convidar para fazer alguma coisa juntos", finaliza.

 

 

 


Agenda lotada

 

Jaques Morelenbaum cumpre agenda apertada neste ano, com três grandes temporadas na Europa (uma delas com João Bosco) e outra no Japão e na Coreia (em homenagem a Sakamoto com a cantora Paula Morelenbaum e o violonista japonês Goro Ito).

 

 

Já em estúdio, ele acabou de gravar um álbum autoral, ao lado do pianista e compositor cearense Ricardo Barcelar. Fez arranjos para os discos da filha Dora, de Zé Ibarra, e de Guilherme Arantes, com quem gravou pela primeira vez.

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