Por Nayani Real
Amy Winehouse deu novos ânimos ao jazz nos anos 2000 e marcou a história da música em sua breve passagem pela indústria. Morta aos 27 anos, em 2011, não é necessário que sua cinebiografia, "Back to black", em cartaz em Belo Horizonte, nos conte sobre a grandeza de um dos álbuns mais aclamados de todos os tempos, vencedor de cinco Grammys.
Embora o filme mostre os bastidores da criação e os principais acontecimentos de sua vida, o coração da obra está na personalidade meiga da britânica, profundamente ligada às pessoas que ama. É uma faceta que outros esforços, como o documentário vencedor do Oscar "Amy", deixaram de lado.
O retrato da cantora, vivida por Marisa Abela, entrega logo nas primeiras cenas uma Amy carinhosa e apaixonada pela avó, Cynthia Levy, de quem herdou um estilo marcado por referências dos anos 1960, como o penteado colmeia que virou sua marca.
Ainda no início do filme, vemos também, sutilmente, sua relação conturbada com a comida. Após comer um pedaço de bolo, Amy é vista deixando o banheiro. Esta é a primeira de algumas menções tímidas à bulimia que a acompanhou desde a adolescência.
A narrativa é conduzida por cada tatuagem que a cantora faz e, a certa altura, a luta contra o transtorno e o alto consumo de drogas assumem papel central na narrativa. As cenas degradantes elevam sempre sua condição humana e terna, o que contradiz a imagem sensacionalista de que ela era fechada e agressiva.
Essas características de fato aparecem, mas como autodefesa para alguém cuja privacidade e problemas foram explorados pela imprensa. O tom poético guia toda a produção. Em mais de uma cena, Amy ouve música e dança enquanto caminha pelas ruas de Londres.
Temor à fama
A proximidade com a avó – que morre de câncer em 2006 e agrava a vulnerabilidade emocional da cantora –, e com o seu pai, Mitch Winehouse, ofuscam outras relações importantes. O filme peca em deixar de lado sua mãe, Janis Winehouse, e uma de suas melhores amigas, Juliette Ashby.
Em produções anteriores sobre a artista, é possível ouvi-las dizer não só que temiam pela segurança de Amy, mas que a cantora temia a fama – o que é enfatizado em diversos momentos do filme, e causa um desconforto crescente diante das investidas da mídia sobre sua vida.
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Já seu relacionamento com Blake Fielder-Civil, interpretado por Jake O’Connell, é retratado de forma terna e embalado pelas canções do grupo feminino dos anos 1960, The Shangri-Las.
Ainda que a relação de ambos, bastante centrada no abuso de drogas, seja bem conhecida, o carinho e a tristeza profunda que se alternam entre as idas e vindas do casal na tela tentam amenizar os efeitos danosos desse envolvimento.
Críticas à protagonista
Nas redes sociais, fãs criticaram a escolha de Marisa Abela por sua voz tímida se comparada a Amy – mas esse aspecto é secundário. Abela reproduz os trejeitos da cantora de forma bastante precisa, além de incorporar seu olhar vago, capturado pelos paparazzi, à medida que o drama avança.
Já a diretora Sam Taylor-Johnson – outra escolha atacada pelos fãs, já que é quem assina a adaptação de "Cinquenta tons de cinza" –, não concentra as energias de "Back to black" no apelo sexual. Bem como não pesa a mão nas cenas envolvendo drogas que não o álcool.
Na verdade, o lirismo e o embalo de músicas ao longo do filme lembram os bons momentos de outra produção de Taylor-Johnson, "O garoto de Liverpool", sobre John Lennon.
Na parte final, o filme encena a prisão de seu marido após uma briga em um bar, o pedido de divórcio, uma de suas internações na reabilitação contra as drogas e apresenta as composições de Amy fora de cronologia, mas para trazer sentido aos problemas que ela encara, costurando trechos em que ela destaca seus vícios – das drogas à codependência emocional.
Em meio à aura otimista que guia sua breve trajetória, a cinebiografia faz esquecer por um momento que o fim já está dado, e nos dá a esperança de um final feliz que não virá.
“BACK TO BLACK”
(EUA, 2024). De Sam Taylor-Johnson. Com Marisa Abela, Jack O'Connell, Eddie Marsan, Lesley Manville. Em cartaz nesta terça (21/5) no Cinemark Diamond Mall (15h15, 18h15 e 20h55), Centro Cultural Unimed-BH Minas (18h20 e 20h45), Cineart Boulevard (16h30 e 21h), Cinemark Pátio Savassi (15h40, 18h20 e 21h), Cineart Del Rey (16h10 e 18h40) e Cineart Ponteio (16h15, 18h45, 21h e 21h15).