São Paulo – O C6 Fest nasceu com lastro. “Neto” do Free Jazz (1985-2001) e “filho” do Tim Festival (2003-2008) – realizado pela mesma produtora, a Dueto –, chegou à segunda edição com a missão de se mostrar relevante em um cenário em que festivais brotam que nem mato.

 


As três noites no Parque Ibirapuera, no mesmo final de semana em que a capital paulista promoveu a Virada Cultural (São Paulo nunca nos deixa esquecer de quantas e quão diferentes cidades existem dentro dela), funcionaram.

 


É festival para gente grande, sem distrações, sem área VIP, com a música sempre em primeiro plano. A plateia era mista – muitos jovens, mas também muitos adultos, aqueles que sabem que o corpo vai pagar caro no dia seguinte. Nos três dias, o público foi de 25,3 mil pessoas.

 



 


O mote do evento, como o de seus predecessores, é mostrar o diferente – e este pode ser novo ou não. Isso tanto vale para o novíssimo, como a sensação Raye, quanto para o antigo, como o Soft Cell, duo britânico que fez história no synth pop com “Tainted love” (1981) e se manteve inédito no Brasil por mais de 40 anos.


Devoção

 

Cantora britânica com um disco, Raye se impressionou com a devoção do público em sua estreia no Brasil. Este também saiu impactado com o vozeirão, a presença e a franqueza da cantora, que se emocionou ao cantar “Ice cream man”, “a música mais difícil e triste que já fiz”, na qual descreve os abusos sofridos. “I’m a very fucking brave strong woman”, ela cantou com o acento soul. Não houve como não concordar com ela.

 


Dos estreantes no Brasil, o cubano Cimafunk surpreendeu por apresentar a mistura de James Brown com hip hop, música latina e animadíssima big band com sete instrumentistas em cena – os metais, vale dizer, a cargo de mulheres.

 

 

Black Pumas foi o headliner do C6 Fest

C6/divulgação

 


Uma das boas novidades no Lollapalooza de 2022, o Black Pumas teve a função de headliner no C6 Fest. O vocalista e guitarrista Eric Burton é um Marvin Gaye do novo milênio. Já no segundo disco, Black Pumas explorou um repertório maior. Houve, é claro, o hit “Colors”, como também a psicodélica “Rock and roll”, do novo álbum, e a versão de “Fast car”, que deu nova vida ao folk oitentista de Tracy Chapman.

 


No braço indie do festival, dois heróis da geração 90 em grande momento de devoção. De boas com a passagem do tempo, o Pavement, recontou sua trajetória para novos e antigos fãs. Era jogo ganho, afinal o show marcou o retorno da banda de Stephen Malkmus ao Brasil após 12 anos e integra a turnê do segundo retorno do grupo (que oficialmente terminou com o fim dos anos 1990).

 


Houve hits – “Cut your hair”, “Stereo”, “Shady Lane”, “Silence kid” – de todas as fases, uma banda afiada e simplesmente feliz por estar ali. Assim que o grupo subiu ao palco, o percussionista Bob Nastanovich dedicou o show à produtora de BH Fernanda Azevedo, morta na última quinta-feira (16/5), dia em que viajaria a São Paulo para ir ao festival.

 

De Cat para Bob Dylan


Antes do Pavement, Chan Marshall apresentou pela primeira vez em um festival seu tributo a Bob Dylan. O tempo restrito não permitiu que Cat Power fizesse, na íntegra, o repertório de 15 canções em que recria o show antológico de Dylan em Manchester em 1966, marco de sua transição do acústico para o elétrico.

 


Começou o show com dois clássicos desplugados, “It’s all over now, baby blue” e Mr. Tambourine man”, para depois dar início à parte elétrica, que funcionou melhor dado o burburinho da tenda.

 

Banda Pavement voltou ao Brasil, depois de 12 anos

C6/divulgação

 


O C6 Fest começou e terminou no Auditório Ibirapuera, com casa cheia (lotação de 800 pessoas) dedicada ao jazz. Na sexta (17/5), quando só houve shows no espaço fechado, o grande momento foi do maior veterano do festival. Aos 86 anos, o saxofonista Charles Lloyd (que fez história no Free Jazz de 1999), a bordo de seu quarteto (baixo, bateria e piano), destilou estilo e segurança em um set emocionante.


Stretch music

 

No domingo, depois de um dia inteiro de shows, o festival terminou com performances fora da curva. De New Orleans, o trompetista Chief Adjuah logo mandou seu recado. Disse que pretende reavaliar a relação com o jazz. Tanto que prefere usar o termo “stretch music” para falar de sua produção.

 

Acompanhado de um quarteto de jovens virtuoses, impactou a plateia com música que transita pela música africana, experimentalismo e rock. Alto, muito alto, catártico em alguns momentos.

 

Chief Adjuah causou impacto ao misturar música africana, rock e experimentalismo

C6/Instagram

 


Depois, a principal atração, o Dinner Party, adentrou o início da madrugada de segunda (20/5). Superbanda capitaneada pelo saxofonista Kamasi Washington, o pianista Robert Glasper e pelo músico, rapper, cantor e produtor Terrace Martin, com vários convidados, é um projeto de celebração, com música muito bem executada, mas desprendida dos conceitos que cercam as carreiras individuais de cada integrante. Uma festa para os ouvidos, como pedia o tom de encerramento do festival.

 

Pernas pra que te quero!



Quase tudo funcionou no C6 Fest: comida, som, banheiro. A nota dissonante veio do acesso aos dois principais palcos. A Arena Heineken, o principal, era o imenso gramado na parte de trás do Auditório Ibirapuera. O outro era a Tenda Metlife, na região do Museu Afro Brasil.

 

Para ir de um a outro eram 10 minutos de caminhada. No percurso, o público saía do evento e passava pela área comum do parque. Ou seja: para chegar ao outro palco, tinha de entrar novamente no festival, passando por revista. Isso demandou perna e tempo – ou seja, perdia-se o início de um show para assistir ao fim do outro e vice-versa.

 

* A repórter viajou a convite da organização do evento

compartilhe