“A pior acusação que um escritor pode receber hoje: a de fazer autoficção”, afirma a escritora e jornalista peruana Gabriela Wiener no romance “Exploração” (Todavia, 140 páginas). É pura ironia. “Nós, escritoras, estamos cansadas das classificações externas. Por isso, rio muito, no livro, das categorias literárias patriarcais”, ela diz.

 


Nome celebrado da literatura latino-americana contemporânea, Gabriela, de 48 anos, chega a Belo Horizonte como convidada do Encontro Latinoamericano de Teatro (ELA), que vai desta quarta-feira (22/5) a domingo (26/5).

 



 


“Exploração” é conduzido por duas investigações: a vida do suposto tataravô da autora, Charles Wiener (1851-1913), que passou para a história como um explorador austríaco francês (seu grande feito foi quase descobrir Machu Picchu), mas que Gabriela considera “huaquero”, saqueador de sítios arqueológicos. A outra trata da vida paralela de seu pai, um combativo jornalista peruano, morto havia pouco.

 


Além das duas narrativas, há a da própria Gabriela, dona de uma “identidade marrom, chola e sudaca”, radicada em Madri, que vivia com o marido peruano e a mulher espanhola. Tais personagens enfrentam o desejo, os problemas de identidade e a migração em uma trama escrita no presente da protagonista. “Me vejo como uma escritora que sempre procurou transcender os limites dos gêneros”, afirma a autora ao Estado de Minas.

 


“Exploração” reúne a Gabriela jornalista, a ficcionista, a cronista, a poeta. Não há como pensar em sua obra sem hibridismo, certo?


Minha escrita sempre foi híbrida, mas eu não havia introduzido a ficção de forma tão afirmativa quanto em “Exploração”. Ao introduzi-la, o espectro foi ampliado – não há restrições. Caminho para um lugar muito mais anárquico, onde me sinto mais confortável. Me vejo como uma escritora que sempre procurou transcender os limites dos gêneros. Acredito que haja no livro uma vontade de descolonizar também formalmente, não só no conteúdo. Aliás, ao longo do romance há comentários constantes, como notas de rodapé, sobre a grande literatura. Há risos sobre a generalização da literatura, sobre como a literatura escrita por mulheres tem sido tratada.

 


Você começa “Exploração” nos apresentando um saqueador de relíquias arqueológicas. Em dado momento, no entanto, se identifica com o personagem. Essa empatia foi essencial para a tessitura do romance?


Desde que tenho escrito sobre os outros, e mesmo que me encontre em um lugar diferente da pessoa que quero retratar, a empatia é essencial para compreender os lugares que não habitamos, mas que fazem parte da compreensão do nosso presente. O que me motivou a escrever sobre Charles Wiener teve a ver com uma espécie de raiva muito antiga, com uma necessidade de vingança profunda, com uma esperança de reparação, de busca de justiça, de contar uma história que tentou apagar outras histórias que foram descartadas para impor a sua. Fui movida por essa necessidade de moer a figura de patriarca de família. Agora, ao longo do caminho encontrei vários pontos de reconhecimento. A protagonista se vê refletida em vários aspectos de Charles e em seu próprio processo de migrante, pelo fato de Charles ser judeu. O livro não é, em grande parte, um lugar para disparar julgamentos. Nenhum dos personagens tem o poder de apontar sem se sentir de alguma forma corresponsável pela realidade que compartilha historicamente.

 


Quando e como você definiu que sua obra seria em primeira pessoa?


Escrevia poesia porque quando estudava literatura na universidade, achava que era o lugar mais subversivo e poderoso. Quando me deparei com o jornalismo narrativo, com a crônica, comecei a escrever diretamente na primeira pessoa. Também havia lido os diários da Anaïs Nin, fiquei fascinada pela literatura do erotismo, mas queria levar (a escrita) para o meu território, meu corpo, minha voz. Mas era difícil naqueles tempos, éramos muito poucos em uma revista como a Etiqueta Negra (publicação literária peruana que existiu entre 2002 e 2017). Escrevi sobre gênero, amor, relacionamento, desejo, sobre a intimidade dentro das casas. Já no jornalismo cultural, como escrevia sobre pintores, escritores, artistas, passei a também escrever um pouco sobre mim para desabafar e me desintoxicar de sempre escrever sobre o sucesso dos outros. Então comecei a escrever de um ponto de vista muito pessoal. Mas isso foi democratizado com a internet, e todos começaram a escrever na primeira pessoa em todo o mundo. Escrever sobre si mesmo é um fenômeno contemporâneo por excelência.

 


Como é tratar, de maneira geral, sobre verdades incômodas?


Tudo o que ainda está escondido, o que permanece tabu, o processo de desvendar algo são um doce para o escritor. Eu me interesso por muitos tipos de verdades. No caminho dessas tentativas de descobertas, você realmente encontra possibilidades de interpretação do mundo. Acima de tudo, elas não são certezas. Acho que a literatura está aí para tratar da ambiguidade do mundo, já que o que você encontra pelo caminho são cada vez mais perguntas.

 


FESTIVAL ELA

 

Sexta (24/5)


Das 19h às 21h, na Livraria da Rua (Rua Antônio de Albuquerque, 913, Savassi). Lançamento de “Exploração” e conversa da escritora Gabriela Wiener com a pesquisadora Flávia Péret.

 

Sábado (25/5)


Das 14h30 às 17h30, na C.A.S.A (Rua Himalaia, 69, Vale do Sol, Nova Lima). Autora peruana ministra a oficina “A escritura da experiência com Gabriela Wiener”.

 

Domingo (26/5)


Das 11h às 13h, no Instituto Cervantes (Rua dos Inconfidentes, 600, Savassi). Debate “Escrituras do corpo”, com Gabriela Wiener, Soraya Martins e Idylla Silmarov.

 

• Toda a programação tem entrada franca

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