A cantora e compositora gaúcha Filipe Catto, que se apresenta neste sábado (25/5) em Belo Horizonte, está mais interessada em ser ela mesma do que em agradar. “Em frente a esse Brasil que se revela cada dia mais religioso e diante de artistas cada vez mais gananciosos, que só pensam em dinheiro e números, acho que a gente precisa de uma representatividade das malucas”, diz ela, bem-humorada, em entrevista por telefone.

 


“Eu só sou quem eu sou porque ouvi uma Rita Lee falando. Uma Fernanda Young falando. Eu vi Madonna fazendo um sexbook… São pessoas que não estão ali para agradar, e sim para mostrar uma verdade”, acrescenta.

 



 


Assumindo a irreverência que aprendeu com os ídolos, a artista pavimentou uma carreira iniciada há 15 anos, com o EP “Saga” (2009), e que deságua em “Belezas são coisas acesas por dentro” (2023), lançamento mais recente, com faixas em homenagem a Gal Costa (1945-2022).

 


É esse o show que Filipe Catto apresenta hoje na capital mineira. Ao lado de Michelle Abu (bateria), Gabriel Mayall (baixo) e Alien Alencar (guitarra), a cantora vai interpretar as 10 faixas do disco – que conta com, entre outras, “Tigresa”, “Vaca profana”, “Esotérico”, “Vapor barato” e “Negro amor” – e canções gravadas por Gal que acabaram ficando de fora de “Belezas são coisas acesas por dentro”, como “Divino maravilhoso”, “Recanto escuro” e “Só louco”. 

 

 

 


Geração de artistas

 

“Estamos falando de Gal, mas, na verdade, vamos contemplar uma série de artistas, como Waly Salomão, Caetano Veloso, Bob Dylan, Dorival Caymmi, Gilberto Gil”, diz. “É uma geração que marcou muito a história da música brasileira e também do nosso país”.

 


Com um repertório tropicalista, é claro que irreverência e transgressão não ficariam de fora. Para isso, Catto preparou figurino ousado, no qual expõe – com orgulho – seu corpo de mulher trans e não-binária, com um longo penteado até abaixo da cintura e roupas transparentes que servem também como provocações a respeito da ideia de erotismo.

 

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Já o repertório, originalmente composto há quase 60 anos e recheado de críticas a um regime ditatorial que acabava de nascer e viria a se tornar extremamente repressivo poucos anos depois, encontra eco nos dias atuais. Principalmente quando se leva em conta episódios recentes, como a depredação provocada em 8 de janeiro de 2023, na sede dos Três Poderes, em Brasília, por insatisfeitos com o resultado das eleições do ano anterior.

 


“Trazer essas músicas depois da mudança de governo, do fim da COVID e de termos conseguido nos livrar do Bozo é algo muito forte para mim”, afirma a artista, referindo-se à derrota do ex-presidente Jair Bolsonaro nas eleições de 2022 e sua inelegibilidade declarada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em decorrência de abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação durante reunião realizada no Palácio da Alvorada com embaixadores estrangeiros.

 


“Eu sinto que a história está se repetindo em diferentes aspectos. Além dessas mudanças no aspecto político-partidário, acho que também estamos vivendo um desbunde maluco, como foi aquela grande revolução sexual dos anos 1960 e 1970”, avalia ela.

 


“Estamos vivendo o momento pós-Aids. As pessoas estão vivendo com a PrEP (uma das formas de prevenção que consiste na tomada de comprimidos antes da relação sexual) e voltaram a transar. A questão da transgeneridade está ganhando pautas cada vez mais fortes e o feminismo está em outro lugar de discussão. Estamos ressignificando toda aquela época com o que a gente está vivendo hoje”, diz.

 

Tragédia gaúcha

 

Natural de Lajedo, mas criada grande parte da infância e da adolescência em Porto Alegre, Filipe Catto acompanha com apreensão a tragédia que assola seu estado natal devido às fortes chuvas na região. Muitos de seus amigos perderam tudo com as enchentes e colegas de trabalho, que também vivem da arte, de uma hora para outra se viram sem possibilidade de trabalho.

 


“É uma situação muito complicada, porque, neste momento, para além de todos os problemas que a gente já enfrenta e vai enfrentar, há vários espaços de cultura que estão debaixo d’água no Rio Grande do Sul. E uma coisa que venho criticando há anos é justamente a escassez desses espaços no estado, sobretudo em Porto Alegre”, afirma.

 


“E, com tudo isso que está acontecendo agora, não vai ser fácil reerguer esses locais. Isso vai depender de uma questão de prioridade. E para as pessoas de um modo geral e para o poder público, a cultura não é prioritária. Ainda mais lá (no Rio Grande do Sul), onde temos uma gestão de direita tanto na esfera estadual quanto na municipal que não têm nenhuma preocupação com a arte”, diz.

 


“BELEZAS SÃO COISAS ACESAS POR DENTRO”


Show de Filipe Catto. Neste sábado (25/5), a partir das 21h, n’A Autêntica (Rua Álvares Maciel, 312, Santa Efigênia). Ingressos a R$ 120 (inteira) e R$ 60 (meia), à venda no site Sympla. Mais informações pelo Instagram (@autentica.bh).

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