Cannes, França – Mohammad Rasoulof pode até ter conseguido fugir do Irã na semana passada para vir a Cannes, mas ele não consegue pôr um sorriso no rosto. Não enquanto a equipe que trabalhou com ele em "The seed of the sacred fig" segue no país, sem permissão para deixá-lo, e enquanto a República Islâmica continuar praticando o que chama de terrorismo, mesmo após a morte do presidente Ebrahim Raisi num acidente de helicóptero.

 


"Eu sei que deveria estar feliz, mas eu simplesmente não consigo pôr um sorriso no rosto. Eu tento, falando honestamente, mas quando você vê crianças sendo mortas e perdendo seus olhos em protestos, essa não é uma opção", diz ele.

 



 


A equipe que apresenta "The seed of the sacred fig" no evento não tinha certeza se ele viria, mas foi surpreendida quando, no último dia 13, ele anunciou que estava num lugar seguro e não divulgado na Alemanha, após uma fuga a pé pelas montanhas.

 


Os detalhes de como veio à França são obscuros, já que seus documentos haviam sido confiscados pelas autoridades iranianas depois de ele ter sido sentenciado a oito anos de prisão.

 


O Palácio dos Festivais teve a segurança reforçada para a première do filme, nesta sexta-feira (24/5). "De qualquer forma, é um sucesso para o cinema iraniano estar em Cannes. Mas não penso em reconhecimento, apenas em quando vou poder contar a minha próxima história", afirma Rasoulof.

 


"The seed of the sacred fig", ou a semente do figo sagrado, abre com uma explicação de seu título. As figueiras, ficamos sabendo, derramam suas sementes perto de outras árvores e, quando começam a crescer, sufocam as espécies ao redor. É uma metáfora para o autoritário governo iraniano, retratado no filme como responsável por plantar intriga e destruição entre seus cidadãos.

 

Trama familiar

 

No centro da trama está uma família de classe média, unida. Há conflitos geracionais entre os pais e as duas filhas, e também em relação aos rumos políticos do país. Elas querem sair nas ruas sem véu, pintar as unhas e protestar pela falta de direitos das mulheres no Irã. Os pais acreditam cegamente no que diz a TV governista e sob censura do país, não por maldade, mas por ignorância e medo. Eles até acolhem uma amiga da faculdade da filha, que tem o rosto deformado por estilhaços ao participar de uma manifestação.

 


Tudo se complica quando o pai é promovido a um importante cargo no tribunal revolucionário e começa a passar os dias aprovando penas de morte com as quais não concorda. É um cargo de risco, o que faz entrar na trama um clima de paranoia que opõe gerações e, depois, gêneros.

 


Rasoulof teve a ideia para o filme na prisão, quando um guarda lhe disse, após uma sessão de tortura com outro preso político, que qualquer dia cometeria suicídio. Ele não aguentava mais chegar em casa e ter que inventar desculpas quando os filhos perguntavam qual era o seu trabalho. No longa, o pai mantém em segredo da família o que realmente faz.

 


As atrizes que interpretam as filhas conseguiram fugir do Irã antes de as notícias sobre o filme surgirem, diz Rasoulof. Aqueles que interpretam os pais, bem como boa parte da equipe técnica, estão impedidos de deixar o território.

 

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Rasoulof foi para a prisão em julho de 2022, por assinar uma petição pedindo o fim do uso de armas contra manifestantes e, em fevereiro de 2023, passou para prisão domiciliar por questões de saúde. "The seed of the sacred fig" é fruto de um delicado processo de filmagem, já que o cineasta estava proibido de gravar no país desde 2017.

 

Palma de Ouro será entregue neste sábado

 

A 77ª edição do Festival de Cannes termina neste sábado (25/5), com o anúncio da premiação.

 

O júri da competição de longas, que exibiu 22 títulos, é presidido pela cineasta norte-americana Greta Gerwig (“Babie”) e composto pelas atrizes Ebru Ceylan, Eva Green, Lily Gladstone, os atores Omar Sy e Pierfrancesco Favino, e os cineastas Juan Antonio Bayona, Hirokazu Kore-Eda e Nadine Labaki.

 

O Brasil está na disputa com “Motel Destino”, do diretor cearense Karim Aïnouz.

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