No Censo de 2022, São José da Safira, no Vale do Rio Doce, registrou 3.806 habitantes, população que a coloca em 714º lugar entre os 853 municípios de Minas Gerais. Ou seja: a cidade está no mapa, mas pouca gente ouviu falar – até a última quarta-feira (22/5), quando um ator criado ali, mas também pouco conhecido, fez bonito em Cannes, na França.
Aos 35 anos, Ricardo Teodoro se tornou o quarto brasileiro a vencer um prêmio de atuação no festival – depois de Fernanda Torres, em 1986; Rodrigo Santoro, em 2004; e Sandra Corveloni, em 2008. Foi considerado o melhor ator revelação na 63ª Semana da Crítica pelo filme “Baby”, de Marcelo Caetano.
Na história rodada em São Paulo, ele interpreta Ronaldo, garoto de programa que vive relação tempestuosa com o jovem Wellington (João Pedro Mariano). O trio é de mineiros radicados na capital paulista – Caetano é de Belo Horizonte e Mariano, de Guaxupé. Teodoro nasceu em Governador Valadares, distante 90 quilômetros de Safira, onde foi criado e onde sua mãe, Marina, professora aposentada, vive até hoje.
“Eu estava ali representando minha cidade, meu estado e o Brasil no maior festival do mundo, e por um primeiro filme. As pessoas não acreditavam. Foi muito emocionante e uma sensação incrível, ainda mais porque não tinha visto o ‘Baby’. Você se ver na tela do cinema, com as pessoas batendo palmas e chorando, foi coisa de louco”, diz Teodoro, acrescentando que o “filme da vida inteira” passou na cabeça quando seu nome foi anunciado.
Tal “filme” começa muito tempo atrás. Ele deixou Safira aos 16 anos e mudou-se para Valadares para estudar. Foi naquela cidade que assistiu, pela primeira vez, a uma peça. Tinha 18 anos. No palco estava Nazza Amaral, que se tornou sua professora na companhia em que estreou, o grupo Asas do Invento.
Sem artistas na família (o pai, já falecido, trabalhou como motorista de caminhão), Teodoro sempre adorou televisão. Novela e futebol, sobretudo. A parabólica em Safira exibia campeonatos do Rio e de São Paulo. Virou palmeirense. Em Minas, é atleticano. Sonhava em ser jornalista esportivo, mas foi atropelado pelo teatro.
Depois de alguns anos em Valadares, Teodoro se mudou para Curitiba. A irmã morava ali e havia falado da importância do festival de teatro realizado na cidade. Ele fez teatro e depois foi para o Rio, onde se graduou em artes cênicas na Casa de Artes de Laranjeiras (CAL).
Pagava contas fazendo de tudo um pouco: foi bilheteiro, trabalhou em shopping.
“Estava no Rio há alguns anos e senti que as oportunidades não estavam chegando”, conta Teodoro. Em 2018, mudou-se para São Paulo. Depois de oficina com a Cia. do Latão, foi convidado pelo grupo para atuar no espetáculo “Lugar nenhum”. Estreou no Rio, no CCBB.
No ano seguinte, foi trabalhar numa startup. “Voltei para aquele lugar de fazer teatro com outro emprego.” Veio a pandemia e retornou a Minas, para Ipatinga Passou o período da crise sanitária em família.
“Quando voltei a morar em Minas, o João (Carlos Cardoso), um grande amigo, me chamou para espetáculos do grupo Casa Laboratório (com sede em Ipatinga). Então, por meio da Lei Aldir Blanc, passei a pandemia trabalhando”. Assim que a vida começou a normalizar, Teodoro retornou para São Paulo.
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Em meados de 2022, conheceu Marcelo Caetano. “Desde que me formei na CAL, em 2015, fiz participações em novelas. Mas eram oportunidades bem pequenas, coisas comuns.” Geralmente, personagens sem nome, como o jagunço do primeiro capítulo de “Renascer”, remake lançado em janeiro deste ano.
Pânico no metrô
O primeiro personagem com nome, história, a chamada curva dramática, foi Faísca, da série “Notícias populares” (2023), lançada pelo Canal Brasil e dirigida por Caetano. No set, já se falava do filme “Baby”. Convidado para interpretar Ronaldo, fez dois testes.
“Era uma sexta-feira, nove da noite, e eu no metrô da Luz. O Marcelo me ligou de Fortaleza e disse: ‘O Ronaldo é seu’. Fiquei feliz e em pânico. Você entende a oportunidade que está tendo, mas é uma felicidade com medo”, assume Teodoro. Foram quatro meses de trabalho, o que incluiu muita pesquisa e observação em saunas, cinemas e na Praça da República, lugares onde o personagem circula.
“Ronaldo é um garoto de programa com 42 anos. A gente olhou para a profissão com a preocupação de não moralizar e também vendo como é aquele lugar do homem mais velho.”
O processo de preparação foi tão intenso que o diretor gravou em sua casa a dupla de atores fazendo todo o filme. “Depois de cada cena, íamos assistir na TV do Marcelo para entender o que estava dando certo e errado”, conta Teodoro.
Também em 2023 ele rodou o longa “Cyclone”, de Flávia Castro e protagonizado por Luiza Mariani, ainda inédito. Hoje, Teodoro integra o Espaço Garganta, aberto há três anos com uma sala pequena, mas produção constante com novos atores, dramaturgos e diretores. O resto da história ainda está por vir.