Na montagem, duas cuidadoras tentam esconder a morte da patroa, ocorrida num acidente doméstico, num momento de desatenção delas  -  (crédito: Orlando Bento/Divulgação)

Na montagem, duas cuidadoras tentam esconder a morte da patroa, ocorrida num acidente doméstico, num momento de desatenção delas 

crédito: Orlando Bento/Divulgação

 

Marisa Orth não é uma mulher de meias palavras. Aos 60 anos, ela fala sem embaraço sobre o atual policiamento do politicamente correto no humor, o papel do cidadão na construção de uma sociedade mais justa e a força inebriante do teatro.

 


“Quando estou no palco interpretando algum personagem, eu desapareço da face da Terra. Naquele momento, não tem Marisa. É como se eu estivesse dentro de uma nave, ou num ‘Laboratório de Dexter’”, afirma a atriz.

 


Em cartaz em Belo Horizonte desde a última sexta (31/5) com “Radojka – Uma comédia friamente calculada”, dos uruguaios Fernando Schmidt e Christian Ibarzabal, ela também lembra sem constrangimento do breve momento de enfado ao ser convidada a integrar o elenco da montagem brasileira dirigida por Odilon Wagner.

 


“Me disseram que era uma comédia, aí eu pensei: ‘mais uma, né?!”, conta, acrescentando que só aceitou o papel depois de se pegar dando gargalhadas lendo o texto. “Isso é uma coisa rara de acontecer. Então, não tinha jeito de não aceitar o convite”, comenta.

 


Em “Radojka”, Marisa é Glória, uma das acompanhantes de uma senhora sérvia que dá o nome ao espetáculo. Ela divide o trabalho com Lúcia (Tânia Bondezan), e, num descuido das duas, Radojka sofre um acidente doméstico e morre. Apavoradas com a ideia de perder o emprego, Glória e Lúcia criam planos mirabolantes para esconder a morte da patroa, dando início a uma sequência de reviravoltas cômicas e situações absurdas.

 


Discordando dos críticos que comentaram sobre a peça, Marisa nega que “Radojka” usa o humor para chegar a camadas mais profundas, como etarismo e machismo. Para ela, com o aumento da expectativa de vida do ser humano e, consequentemente, o envelhecimento da população, é natural que se fale sobre a recolocação no mercado, especialmente de mulheres, depois dos 50 anos e também do abandono de idosos.

 


Miséria humana

O cerne do espetáculo, diz a atriz, são a miséria e a falta de ética do ser humano, que se mostram em situações extremas. “O engraçado da peça é que são duas pilantras que representam o que a raça humana é capaz de fazer numa situação assim (de desespero). Aí, eu acho que, como toda boa comédia, ela fala da nossa desgraça, da nossa miséria e da falta de ética do ser humano. Porque, se formos ver com mais atenção, a peça é uma desgraça total. É uma tristeza total”, avalia.

 


E por falar em tristeza, Marisa viveu tempos difíceis nos últimos meses com a Spectaculu Escola de Arte e Tecnologia, que ela fundou em 1999, junto com o cenógrafo Gringo Cardia, e ajuda a manter até hoje. Voltada para jovens da periferia do Rio de Janeiro, a instituição se dedica à formação e capacitação de técnicos na área de artes.

 


“Não é uma escola de atores. É uma escola de técnicos”, ressalta Marisa. “Ali, os jovens estudam coisas como iluminação, cabelo e maquiagem, direção de palco, técnico de cena, mídias sociais, fotografia e tratamento de imagem.”

 


Neste ano, contudo, a Spectaculu quase encerrou suas atividades por falta de dinheiro. Pelas redes sociais, a instituição divulgou carta aberta assinada pelos atuais diretores (além de Marisa e Gringo Cardia, também entraram no projeto Vik Muniz, Malu Barretto e Giovanni Bianco), convidando a sociedade civil a apadrinhar os alunos, garantindo a cada jovem custos com deslocamento até a escola, alimentação e suporte financeiro para que ele possa se manter.

 


Papel como cidadãos

“Não podemos, como sociedade civil, crer que só o governo vai mudar isso e nos isentarmos do nosso papel como cidadãos”, escreveram os diretores da Spectaculu.

 


“Este ano de 2024 foi crucial para nós”, conta Marisa. “Depois dessa carta, conseguimos alguns padrinhos, mas não a quantidade necessária. Nós tivemos muita sorte de conseguir apoio de amigos, como o Pedro (Buarque), marido da Adriana Varejão, que fizeram doações importantes”, acrescenta.

 


Ao longo dos pouco mais de 30 anos de carreira, Marisa já fez teatro, TV, cinema, show e dublagem. Transitou por diferentes gêneros (viveu Simone de Beauvoir na peça "O inferno sou eu", em 2010), mas ficou associada à comédia, principalmente por seus trabalhos na TV – quem não se lembra, afinal, do bordão “Cala a boca, Magda!”, de Miguel Falabella direcionado a ela em “Sai de baixo”, da Globo?

 


Para a atriz, apesar do policiamento do politicamente correto no humor – “Agora, por qualquer sentimento de frustração eu devo processar a pessoa? Devo policiar a pessoa e proibi-la de me fazer de novo sentir aquilo?”, questiona –, a cena da comédia melhorou muito desde quando ela começou a carreira.

 


“Com a internet, a gente vê muita coisa bacana. Tem o pessoal da improvisação, tem o Porta dos Fundos, que faz um humor bem crítico. Tem gente engraçada pra caramba na internet”, afirma. "Agora, tem também a questão do politicamente correto que tem que ser falado. Mas não serei eu que vou impor nada por aí.”

 


SESSÃO EXTRA

“Radojka – Uma comédia friamente calculada”, com texto de Fernando Schmidt e Christian Ibarzabal, direção de Odilon Wagner, e Marisa Orth e Tania Bondezan no elenco, abriu sessão extra neste domingo (2/6), às 19h30, no Centro Cultural Unimed-BH Minas (Rua da Bahia, 2.244 - Lourdes). Os ingressos podem ser adquiridos na bilheteria do teatro ou pelo site Sympla, por R$ 120 (inteira) e R$ 60 (meia).