"Circo de los pies", da catarinense La Luna Cia. de Teatro, tem a palhaça Asmeline (Emeli Barossi) numa história sobre inclusão, cujos personagens são Pezão e Pezinho 

crédito: Toia Oliveira/Divulgação

 


É domingo à noite. Uma família aristocrata está sentada à mesa, prestes a jantar. Na cabeceira, como se ocupasse um trono, o patriarca destila seu ódio e preconceito a quem bem entende. Não há estranhos no local, exceto um convidado da filha, que observa tudo atentamente.

 


A reação aos disparates ditos pelo patriarca se dá com movimentos de acrobacia, contorcionismo e equilibrismo, dando um quê de surrealismo ao episódio. Trata-se do espetáculo cênico-circense “Un domingo”, dos argentinos do Proyeto Migra, e uma das principais atrações da 22ª edição do Festival Mundial de Circo, que começa nesta terça-feira (4/6) e segue até domingo (9/6), na capital mineira.

 


Depois de 10 anos sendo realizado em ruas, praças e teatros da cidade, neste 2024 o festival volta a ser montado na Funarte, onde nasceu em 2001 – em 2022, ele não foi realizado em razão da pandemia. Ao longo dos cinco dias de evento, estão programadas 16 performances de artistas e companhias brasileiras e latino-americanas, quase todas gratuitas.

 


A já citada “Un domingo” é a única atração com cobrança de ingresso (R$ 40 a inteira e R$ 20 a meia-entrada) e também a única que não será apresentada na Funarte, mas sim no Galpão Cine Horto, no sábado (8/6) e domingo.

 


Mesclando dança, teatro e circo, “Un domingo” é basicamente uma história de família recheada de críticas ao sistema patriarcal, segundo o idealizador da montagem e integrante do Migra, Tato Villanueva.


Pensamento medieval

 

“Ali nós temos um patriarca muito bem definido, que dá a si mesmo a liberdade de falar e opinar sobre todo mundo, influenciando a própria família com seu pensamento medieval. Ele, no entanto, chega ao patetismo total”, afirma.

 


Criada em 2018, a performance rodou pela América do Sul nos últimos anos e acabou ganhando novos significados com a eleição do ultra-direitista Javier Milei para a Presidência da Argentina. O atual chefe da Casa Rosada ganhou projeção por seu discurso anti-feminista. E, desde que assumiu a presidência, eliminou o ministério das Mulheres, Gênero e Diversidade.

 


“Também com a entrada do Milei, todo o movimento cultural do país perdeu financiamento. Os artistas voltaram a produzir de maneira independente, tendo que procurar apoio financeiro de instituições privadas. A cultura da Argentina foi golpeada. Contudo, acho que podemos, com a arte, fazer as pessoas pensarem”, afirma Villanueva.

 


Há mais performances que também se propõem a fazer o público refletir. Uma delas é “Cabaré coragem”, do Grupo Galpão. O espetáculo estreou no ano passado, fez nova temporada neste ano e já passou por outras capitais brasileiras, lançando mão de diversos recursos dramatúrgicos para encenar uma noite de uma trupe circense no cabaré do título.

 

Cena de "Un domingo"

"Un domingo", dos argentinos do Proyeto Migra, é a única atração a ser apresentada no Galpão Cine Horto, com cobrança de ingresso

Maca Denoia/Divulgação


 

“Com a poesia característica e própria deles, o Galpão faz a gente refletir sobre como os artistas já mais velhos lidam com o trabalho. É uma proposta de debate completamente diferente do que está sendo proposto pelos outros artistas do festival”, comenta a idealizadora do evento, Fernanda Vidigal.

 


O apelo social e a necessidade de inclusão, diz ela, são uma característica de atrações desta edição. Além de “Un domingo”, que critica o patriarcado, e “Cabaré coragem”, que discute a arte como lugar de identidade e permanência; “Circo de Los Pies”, dos catarinenses da La Luna Cia. de Teatro, traz para o debate a necessidade da inclusão de pessoas com deficiência.

 

 


Em performance solo, a palhaça Asmeline apresenta ao público Pezão e Pezinho, duas personalidades distintas e fisicamente diferentes que dividem o mesmo corpo, cada uma com seus sonhos e frustrações.

 


“A Emeli Barossi, que faz a palhaça Asmeline, é PCD (Pessoa com Deficiência). Ela tem uma perna mais atrofiada que a outra e brinca com isso ao mesmo tempo em que fala sobre uma coisa séria, que é a inclusão”, diz Vidigal. “No espetáculo, Pezão tenta incluir o Pezinho. É a forma mais inteligente de inclusão numa dramaturgia que eu já vi”, acrescenta.

 

 


A programação conta ainda com espetáculos que exploram o lado lúdico do circo e da palhaçaria. Caso de “Decripolou Totepou”, no qual a pernambucana Odila Nunes interpreta uma palhaça enferma que encontra uma receita para espantar a tristeza; e “Teco Teco soluções aéreas e terrenas”, dos cariocas do Circo Dux, que gerenciam uma empresa fantástica de entregas.

 


“Por estarmos retornando à Funarte, esta edição tem um gostinho de retomada. Por isso, estamos trazendo artistas e espetáculos com diferentes características”, afirma Fernanda Vidigal.


FESTIVAL MUNDIAL DE CIRCO
Desta terça-feira (4/6) até domingo (9/6), na Funarte (Rua Januária, 68, Centro). Com exceção de “Un domingo”, todos os espetáculos têm entrada franca. Programação e mais informações no site do festival.