Caio Blat diz que imaginou o Riobaldo do filme que estreia hoje

Caio Blat diz que imaginou o Riobaldo do filme que estreia hoje "como se ele fosse um rapper, pois quem conta as guerras das periferias são os rappers"

crédito: Ricardo Brajterman/Divulgação

 

Guel Arraes considera “incontornável” a escolha de Caio Blat para interpretar Riobaldo em “Grande Sertão”. “Porque o vendo na peça da Bia (Lessa), não tem como”, afirma o diretor. Já o ator se disse surpreso quando houve o convite. “Era a última coisa que eu esperava, pois, se eu já estava fazendo a peça e o filme com a Bia, imaginei que ele iria querer outra interpretação. Como iria levar a pesquisa de um trabalho para outro?”

 


No entanto, quando leu o roteiro, Blat aceitou de imediato. “Pois não tem nada a ver com a peça da Bia, é outro universo. Me vi com a possibilidade de criar um terceiro Riobaldo”, diz. O ator está envolvido com o personagem de Guimarães Rosa desde 2017, quando Bia Lessa estreou a premiada montagem “Grande sertão: Veredas”.

 


Mais tarde, ela rodou um filme com o elenco do espetáculo, “O diabo na rua, no meio do redemunho”, inédito no circuito comercial, mas já exibido em festivais, inclusive na Mostra de Tiradentes, em janeiro passado.

 


Guel é fã da peça, assistiu-a várias vezes quando escrevia o roteiro. “A gente começou uma nova pesquisa. Se o Riobaldo cresceu numa favela, comecei a imaginar a fala dele. Tem muita influência das rimas. Como se ele fosse um rapper, pois quem conta as guerras das periferias são os rappers. Fizemos experiências misturando as falas do Guimarães com rimas, batidas. Já o Diadorim da Luisa é como um mestre de cerimônias, dança o passinho”, comenta Blat. 


Barba natural

 

Quando a pandemia chegou, Blat fez uma proposta a Guel. Deixar a barba crescer durante a crise sanitária. “Desta maneira, poderíamos registrar todo o tempo que tivemos que esperar para filmar.” O filme começou a ser rodado com uma equipe mínima, em que Riobaldo, já velho, sentado numa cadeira, narra sua vida passada.

 


Hoje casados, Blat e Luisa (filha de Guel e Virginia Cavendish) se conheceram fazendo a peça de Bia Lessa. Na montagem, a atriz não faz Diadorim (que coube a Luiza Lemmertz), e sim diferentes papéis, inclusive Riobaldo quando jovem.

 


“’Grande sertão’ foi nosso grande encontro, virou a nossa bíblia, a gente usa (na vida) frases do livro. Para o filme, ela teve que construir um personagem que era quase um mito, sem uma sexualidade definida. Foi um caminho muito moderno, corajoso”, diz o ator.

 


Outro nome levado do espetáculo de Bia para o filme foi a coreógrafa Amália Lima. “Guel também não queria que a movimentação dos personagens fosse de forma realista. O momento em que o Riobaldo mata um soldado pela primeira vez é como um baile. Ele derruba o soldado, depois eles se abraçam e começam um giro. As coreografias foram baseadas em lutas”, explica Blat.

 


Luis Miranda, que interpreta Zé Bebelo, credita a Guel Arraes as nuances que sua interpretação ganhou nas telas. “Guel é um diretor que sabe muito bem o que quer, tem uma marcação precisa. Às vezes você desconfia, acha que vai fazer uma coisa que vai ficar ridícula. Tinha uma cena em que não acreditava: na delegacia, em dado momento, Zé Bebelo, um coronel impoluto, da regra, se torna quase um bufão. Mas Guel foi me movendo e me deixando tranquilo com as possibilidades”, diz.

 


Miranda esteve no ano passado na Estônia apresentando “Grande sertão”. A première do longa foi em novembro, no Tallinn Black Nights Film Festival (PÖFF), de onde Guel saiu com o prêmio de melhor direção na categoria Critic’s Picks (Escolha da crítica).

 


“Imagine eu, do lado da Rússia, que está vivendo uma guerra contemporânea, falando também de uma guerra. Foi muito emocionante, e ele conseguiu dar uma universalizada na obra”, comenta o ator, acrescentando que o público entendeu o filme e a linguagem rosiana, mesmo com legendas. “Não é ‘Tropa de elite’, é outro lugar. Mas Guimarães te dá material para uma discussão atual surpreendente”, afirma Miranda.