Quando não dedilhava violões e destilava música em hostels, como pagamento de uma noite de sono, ou em restaurantes das cidades que visitava em troca de refeição, acompanhado do irmão Mateo, o mexicano Sebastián Piracés-Ugarte reservava parte do tempo para ler “Cem anos de solidão”, do colombiano Gabriel García Márquez (1927-2014). Um personagem deste romance traz similaridades com o estilo de vida que os Ugarte adotaram em 2012. E batizou o grupo Francisco, el Hombre que a dupla, naturalizada brasileira, fundaria no ano seguinte, em Campinas (SP).
“Comecei a pesquisar mais sobre Francisco, el hombre, que viaja com seu acordeom de praça em praça, levando notícias e bom astral, no qual me inspirei muito. Acabei conhecendo ritmos e formas de manifestações culturais pela América Latina”, recorda Sebastián.
Onze primaveras depois, a banda escreve os últimos capítulos de sua peregrinação musical, antes de paralisar as atividades – hiato chamado de “siesta criativa” pelos músicos.
Promovendo o disco “HASTA EL FINAL”, lançado este ano, os trovadores passam por BH neste sábado (8/6), na casa de shows A Autêntica, com abertura da cantora mineira Luísa Bahia.
Além de Mateo (vocal e violão) e Sebastián (vocal, violão e bateria), a banda conta com LAZÚLI (vocal e percussão), Helena Papini (baixo e vocal) e Andrei Martinez Kozyreff (guitarra e vocal) na turnê de despedida.
“É raro um movimento desses ser unânime dentro de um coletivo tão diverso”, assinala a percussionista e vocalista, referindo-se à paralisação das atividades. “Alguns de nós estavam em sintonia com isso logo de cara, outros nem tanto. Mas fomos nos alinhando.”
O conteúdo lírico do novo álbum detém referências ao tom de despedida dos palcos. Na letra de “Outono”, a própria banda indaga: “E o que é que pode vir depois do fim?”. Ela própria responde: “O novo”.
“Meu plano é seguir com a carreira autoral solista, já tenho disco gravado. Todas as pessoas da banda têm trabalhos autorais em paralelo. Isso sempre existiu, independentemente da decisão de a banda parar”, diz Helena Papini.
“Porém, cada show agora é o último em cada cidade. Às vezes me pego olhando para cada um da banda e penso que daqui a um tempo não vamos mais ter essa rotina juntos. Se abrir para o novo é sempre essa incógnita, não sabemos tudo que pode acontecer”, completa.
Veja: Em 2020, Sebastián Piracés-Ugarte lançou o álbum solo "Sebastianismos"
Curiosamente, as faixas do novo álbum foram compostas antes da decisão pelo hiato, apesar do título sugestivo. “Foi mais um dos movimentos sincrônicos que organicamente a arte nos gerou”, pontua LAZÚLI. Sexto disco de estúdio – o grupo considera o EP “La pachanga!” (2014) como o debute –, o novo álbum traz as participações de Lenine, BNegão, Paulo Miklos, Mart’nália e Pato Fu.
Assim como o disco, que transita por indie, MPB, rock e ritmos latinos, seja por verves mais festivas ou por flertes com a psicodelia, e possui letras ora divertidas de teor ácido ora de forte cunho político-social, o show “passa por muitas sensações”, garante Helena Papini.
“Francisco, el Hombre é conhecida por ser uma banda com show muito festivo e catártico. Para a turnê, preparamos um momento mais emocionante e uma parte acústica, em que nos aproximamos mais do público e cantamos músicas com temática de despedida. Retornamos para os clássicos, levando o show de volta para aquele lugar muito mágico que todo mundo conhece”, ela adianta.
História
A banda também lançou os discos “Soltasbruxa” (2016), “Rasgacabeza” (2019), “Casa Francisco” (2021) e “10 años” (2023). O percurso teve perrengues, como a ocasião em que o grupo foi assaltado em Mendonza, na Argentina, em 2015, perdendo instrumentos, documentos e dinheiro. Dois anos depois, comemorava a indicação de “Triste, louca ou má” ao Grammy Latino, na categoria Melhor canção em língua portuguesa.
“Esta música partiu de uma coisa bem íntima minha, de estar na casa onde cresci, lendo um artigo sobre mulheres que escolhem viver sós, independentemente de estarem em relacionamentos românticos ou não, traçando uma ponte com o livro ‘Tristes, loucas e más’, da Lisa Appignanesi, que trata da evolução do diagnóstico e tratamento de doenças mentais em mulheres, abordagem precisa da psiquiatria ao longo dos últimos 200 anos”, recorda a vocalista e percussionista.
“Quando várias mulheres e outras pessoas começaram a me contar sobre o efeito transformador desta música sobre suas vidas e histórias, senti que algo mudou na minha relação com a composição e me trouxe um senso de trazer coisas de dentro para fora que são para além de mim”, diz LAZÚLI.
Esta e tantas outras canções estarão presentes na “despedida” em BH. “Minas foi um dos primeiros estados onde a gente tocou fora de São Paulo. Sempre que dá, tentamos chegar antes e ficar um pouquinho mais para aproveitar. É uma delícia, nos sentimos em casa”, arremata o guitarrista Andrei Kozyreff.
FRANCISCO, EL HOMBRE
Neste sábado (8/6), a partir das 21h, n'Autêntica (Rua Álvares Maciel, 312, Santa Efigênia). Abertura: Luísa Bahia. Inteira: R$ 160 e R$ 140 (lotes 1 e 2). Meia estudante/social: R$ 80 (lote 2). À venda na plataforma Sympla. Informações: www.aautentica.com.br
*Estagiária sob supervisão do subeditor Thiago Prata