Atmosfera do romance

Atmosfera do romance "Alice no País das Maravilhas" ganha toques de absurdo no espetáculo "Alice"

crédito: Momix/Divulgação

 

 

Lewis Carroll e sua emblemática personagem foram a inspiração. Mas o que se verá no palco do Sesc Palladium, em 25 e 26 junho, é “Alice” do Momix. Não há narrativa com começo, meio e fim. Mas estarão no palco personagens clássicos do País das Maravilhas. Só que a Lagarta será vista por meio de bolas enormes; o Chapeleiro Maluco terá um barril e não chapéu. E o Coelho, bem, será uma coelhada, com animais nada fofinhos, mas raivosos.

 


O número dos coelhos – “estranho, cinético” – é o preferido do coreógrafo Moses Pendleton, fundador e diretor artístico do Momix, companhia criada em 1981, com turnês pelo Brasil desde 2002. Com uma base de fãs assegurada – os ingressos estão quase esgotados –, Pendleton segue surpreendendo. Em suas montagens, a plasticidade da dança atinge o grau máximo.

 

 

 


Aos 75 anos, Pendleton acompanha as turnês do Momix da fazenda onde vive no interior de Connecticut, nos Estados Unidos. Seu processo de trabalho foge do convencional, assim como seus espetáculos. Ex-esquiador profissional, segue, ainda hoje, a rotina de atleta. Oito quilômetros de bicicleta todas as manhãs, depois musculação. Natação no lago na parte da tarde. Mas o gravador está sempre ligado. “Como disse John Lennon, você nunca sabe quando será atacado por uma ideia”, diz.

 


Há os momentos dedicados à leitura, que pode ser um trecho só. Pendleton nunca termina um livro. “Temos de treinar o corpo, mas também o cérebro, pois é ele que vai nos dizer para correr, nadar, pensar. Seja tão louco quanto o Chapeleiro Maluco, mas tenha disciplina”, ensina na entrevista a seguir:

 

 

Bailarinos como coelhos no espetáculo "Alice", do grupo Momix

Coelhos se multiplicam na coreografia de Moses Pendleton

Sharen Bradford/Divulgação

 

 

“Alice” estreou em 2019, em Roma. A temporada foi interrompida pela pandemia e reiniciada em 2022. As coisas mudaram ao longo deste período?


Acho que o tornamos mais conciso, palatável. Quando você estreia um espetáculo, aquilo é apenas o começo. A estreia não é o fim, pois podemos continuar mudando sempre. Alguns dançarinos são outros. Então, quando você ensaia com outra pessoa, você aprende mais sobre o espetáculo. E talvez isto o torne melhor. O processo criativo nunca termina. O espetáculo tem cinco anos; assim que a turnê acabar no Brasil, o grupo voltará para os Estados Unidos e veremos as gravações para entender o que podemos fazer para torná-lo melhor.

 


Quando você percebeu que poderia fazer de “Alice no País das Maravilhas” um espetáculo do Momix?


Tenho brincado com o tema em várias produções. Quando menino, garoto de fazenda em Vermont, era um grande fã da versão de Walt Disney (1951). Acho que decorei o filme, então “Alice” sempre fez parte do meu subconsciente. Há uma conexão óbvia de Lewis Carroll com o Momix em termos da atmosfera surreal. Ele gosta de trocadilhos e piadas. O absurdo sempre foi atraente para mim. Quanto ao processo com os bailarinos, começamos primeiro pensando em uma Alice. Depois, em uma Lagarta. Mais adiante, em um Chapeleiro Maluco. Mas, em vez do chapéu, ele teria um barril gigante, pesado. Conhecemos a Lagarta de “Alice”, mas aqui usamos bolas de exercício gigantes azuis que, combinadas, fazem uma dança com movimentos acrobáticos.

 

Coreógrafo Moses Pendleton

Moses Pendleton, diretor artístico do Momix, se define como "catalisador da coreografia e da invenção coletiva"

Crédito: Youtube

 


O grupo Momix completou 43 anos. Você está sempre se desafiando a fazer diferente?


Você tenta não se repetir, mas, ao mesmo tempo, não fazer algo tão radical que afaste sua base de fãs. E vou te dizer: muitas das coisas que penso não deveriam ser vistas por ninguém. Tento monitorar meu próprio pensamento para que façamos algo positivo, esperançoso, engraçado e útil. Você tem que ser seu próprio crítico. Tivemos sorte, porque as coisas de que gostamos são compartilhadas por milhares de pessoas. É muita sorte mesmo, pois não comprometemos nossa arte. E ganhamos bem fazendo algo que amamos. Existem pessoas muito criativas que, ao longo da história, não tiveram reconhecimento e viveram situações terríveis. Alguns foram reconhecidos 200 anos depois de morrerem. Acho um milagre, pois conseguimos experimentar um leve sucesso durante a vida.

 

 

 


Como se dá a sua criação?


Começo a pensar sempre em fragmentos, como um escritor faria. Um parágrafo muito interessante talvez possa lhe dar a ideia do próximo. Na verdade, você tem que começar em algum lugar, pois se as possibilidades forem infinitas, pode ficar paralisado. Eventualmente, a peça começa sua própria história, e ela lhe dá um caminho, que você continua construindo.

 


No momento inicial de um espetáculo é só você, não? Como se dá a criação conjunta no Momix?


No começo, preciso ter uma ideia ou uma imagem. Sobre “Alice”, por exemplo. Se eu disser a palavra Alice, os dançarinos começam a dar suas próprias ideias. Aí pode vir a sugestão de uma lagarta criada a partir de bolas de exercício. Há uma parte no espetáculo com várias garotas Alice. O que elas poderiam fazer juntas? E assim as coisas vão acontecendo. Você pode ir a uma loja e comprar máscaras de coelho só para ver como os dançarinos ficam com elas no espelho. Aí vê que esse vai ser o coelho. Como esses coelhos devem se mover? Cria o coelho dinâmico, o raivoso. Neste espetáculo, os coelhos serviram de motivação para as outras partes. São pequenas coisas com as quais você brinca na esperança de que o processo funcione. De vez em quando, me vejo não como coreógrafo, mas como catalisador da coreografia, da invenção coletiva.

 


“ALICE”


Espetáculo do Momix. Em 25 e 26 de junho, às 20h30, no Sesc Palladium (Rua Rio de Janeiro, 1.046, Centro). Ingressos disponíveis – Dia 25: Plateia 4 ( R$ 39,60 e R$ 19,80, meia). Dia 26: Plateia 1 (R$ 250 e R$ 125 ) e Plateia 4 (R$ 39,60 e R$ 19,80). À venda na bilheteria e na plataforma Sympla