Cordisburgo – Leitores do mundo inteiro se encantam com a obra de João Guimarães Rosa (1908-1967), natural de Cordisburgo, na Região Central de Minas, cujos livros, a exemplo do clássico “Grande sertão: Veredas”, estão traduzidos em vários idiomas. Mas há outro universo, dessa vez na terra natal do escritor, que evoca não apenas memórias de família como inspira o visitante a conhecer mais sobre a vida de um dos maiores autores brasileiros. Festejando 50 anos de fundação, o Museu Casa Guimarães Rosa (MCGR) abre as portas para uma programação especial, com destaque para a tradicional Semana Rosiana, a ser realizada de 7 a 14 de julho.
Entrar na singela construção no Centro de Cordisburgo, a 115 quilômetros de Belo Horizonte, significa muito mais do que conhecer a casa onde nasceu Guimarães Rosa, filho mais velho, de seis irmãos, de Florduardo Pinto Rosa, o seu Fulô, e dona Francisca Guimarães Rosa. “É também como passar por um portal para entender melhor a trajetória do escritor, que foi também médico, diplomata e atuou, como voluntário na Força Pública (atual Polícia Militar de Minas Gerais), sendo capitão-médico”, conta Ronaldo Alves, coordenador do espaço vinculado à Diretoria de Museus da Secretaria de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais (Secult).
Dando as boas-vindas, Ronaldo apresenta, de início, os contadores de história Miguilim, grupo de crianças e adolescentes que narram trechos de livros como “Sagarana”, “Corpo de baile”, “Grande sertão: Veredas” e trazem à luz personagens eternizados nas páginas, entre eles Riobaldo, Diadorim, Augusto Matraga, Manuelzão e, claro, Miguilim.
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Após as apresentações, o visitante vai conhecer a máquina de escrever usada por Guimarães Rosa, ver os textos originais com as correções feitas por ele, acompanhar, no mapa, localidades citadas nas obras literárias e contemplar mais de 200 peças e 1,2 mil documentos, entre certidões, correspondências, discursos e originais manuscritos ou datilografados, bem como fotografias. Os olhos não se cansam de ver, de pertinho, pedaços da história que fascinam em palavras e criatividade.
Entre as preciosidades expostas, se encontram trecho do discurso proferido por Guimarães Rosa na sua posse na Academia Brasileira de Letras (ABL), em 16 de novembro de 1967, e uma cópia de carta datada de 6 de novembro de 1945, do Rio de Janeiro, do escritor para seu pai, demonstrando o desejo de vir a Belo Horizonte e a Cordisburgo. Estão ainda em exposição as primeiras edições das obras do autor, com destaque para “Grande sertão: Veredas”, com a dedicatória de Guimarães Rosa a seus pais.
Intimidade revelada
Com salas que mantêm forro de taquara dos tempos da infância do escritor, morador da casa até os 9 anos de idade (entre 1908 e 1917), a edificação permite que o visitante desfrute da “intimidade” da família, entrando, por exemplo, num quarto com a mobília original que pertenceu a Guimarães Rosa. Com 272,7 metros quadrados e 10 cômodos, o imóvel tem um complemento que desperta atenção: a venda de seu Fulô, onde o escritor ouviu muitas histórias, conviveu com vaqueiros e deu asas à imaginação para criar contos e romances.
Para viver todos os momentos dessa experiência sensorial e literária, sem dúvida inesquecível, é preciso voltar no tempo ouvindo as explicações de Ronaldo Alves. Ele conta que o museu foi inaugurado em 30 de março de 1974, “com uma cerimônia que reuniu uma multidão”. Na data, o então presidente da ABL, Austregésilo de Athayde, e a filha de Guimarães Rosa, Vilma, estiveram presentes.
“Foi aqui que eu, ainda adolescente, despertei para a cultura e a literatura rosiana”, recorda Ronaldo. Formado em história, ele coordena o museu desde 2006, cargo que também ocupou de 1993 a 1997. “O museu é minha segunda casa, fez parte da minha formação intelectual, como educador e cidadão”, orgulha-se.
Ele destaca ainda a boa relação do museu com a cidade. “A partir de 1996, quando a doutora Calina Guimarães, prima de Guimarães Rosa, cria o Grupo Miguilim, isso ficou ainda mais forte. Aqui, todos se sentem em casa”.
Miguilim
Em sua 36ª edição, a Semana Rosiana terá o cinquentenário como estrela-guia da programação da tradicional Semana Rosiana, com palestras, mesas-redondas, exibição de documentários, apresentações musicais e teatrais, narrações de estórias com o Grupo Miguilim e caminhada eco-literária com o Grupo Caminhos do Sertão.
“Será uma Semana Rosiana muito especial. São 50 anos de um museu totalmente vivo, próximo ao público, à comunidade, com uma programação diversa, trabalhando várias linguagens. Com esse espaço, Cordisburgo entra na rota turística e recebe pessoas do Brasil inteiro e também de outros países”, destaca a diretora de Museus da Secult, Pollyanna Lacerda. Em meio século, o MCGR recebeu mais de 656 mil visitantes, sendo 30,8 mil em 2023, segundo dados da instituição.
Aporte, metaverso e curta poético
Contemplado no edital Resgatando História, do governo federal, via BNDES, o Museu Casa Guimarães Rosa terá um aporte de recursos para recuperação da edificação. Conforme o contrato, são R$ 7 milhões para quatro museus mineiros, além do MCGR: Museu Casa Guignard, em Ouro Preto; Museu Casa Alphonsus de Guimaraens, em Mariana; e Museu Mineiro, em BH.
Há também, segundo a Secretaria de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais, um plano de expansão do museu de Cordisburgo, que poderá ocupar o imóvel vizinho, transformado em um centro de estudos da obra do escritor mineiro.
Outro projeto em vista é a criação do ambiente digital do MCGR no metaverso. E mais: o curta-documentário “A casa da palavra”, em fase de produção e captação de recursos, é outra iniciativa que festeja o espaço. Para a produtora, roteirista e codiretora Marília Silveira, o filme conta “uma história inspiradora e poética de resistência, memória e paixão por uma obra e por um lugar”.
MUSEU CASA GUIMARÃES ROSA
• Avenida Padre João, 744, Centro, Cordisburgo
• Visitação: segunda-feira, das 12h às 17h. De terça a domingo, das 9h30 às 17h. O museu fica fechado no último domingo do mês. Entrada gratuita
• Informações: (31) 99160-1817