O cantor e compositor Moreno Veloso decidiu gravar um álbum otimista, 
depois de ouvir do amigo Domenico Lancelloti que sua música é sempre triste -  (crédito: Caroline Bittencourt/divulgação)

O cantor e compositor Moreno Veloso decidiu gravar um álbum otimista, depois de ouvir do amigo Domenico Lancelloti que sua música é sempre triste

crédito: Caroline Bittencourt/divulgação

Não foi o pai, a tia, a família. Mas os amigos. Não fossem eles, Moreno Veloso garante, ainda “estaria em um laboratório de física”. E é com a turma de amigos de sempre que ele chega a seu novo álbum, “Mundo paralelo”. Mas o pai Caetano e a tia Maria Bethânia também se fazem presentes, em uma participação.

 

É, na verdade, o terceiro álbum de estúdio de Moreno, o primeiro em uma década, desde “Coisa boa” (2014). Mas de forma alguma ele ficou parado. Lançou “Ofertório (Ao vivo)”, em 2018, com o pai e os irmãos Zeca e Tom; “Meu Recôncavo” (2019), também ao vivo, com o cantor, compositor e violonista Paulo Costta, em que interpretaram as canções da tia Mabel Velloso; e “Clarice clarão” (2022), projeto com Beatriz Azevedo sobre a obra de Clarice Lispector.

 

 

 

“Desde o começo da carreira (com ‘Máquina de escrever música’, ao lado de Alexandre Kassin e Domenico Lancelotti, de 2000), o que mais me entusiasma são os amigos. Gosto da musicalidade dos meus amigos de infância. Muitos deles se tornaram músicos profissionais, como o Pedro Sá (guitarrista), outros são compositores, como o Quito Ribeiro (autor de quatro letras do novo disco). Essa turma me excita muito, eles me carregam nas costas. Me convidam, ligam, insistem”, afirma Moreno.


Otimista

 

A vontade de fazer um trabalho otimista, em contraponto aos tempos difíceis dos últimos anos, foi ao encontro ao comentário que ouviu de Domenico Lancelotti. “O Domenico já tinha me avisado que tenho tendência a fazer música triste. Busquei um disco mais alegre, positivo”, continua ele, que começou o processo em Lisboa.

 
Em 2022, Moreno passou uma temporada em Portugal com Pedro Sá no estúdio Cave, que Domenico mantém em casa. Naquele momento foram gravadas as bases. Na época, já havia conversado com os parceiros sobre novas músicas.

 
O mote do trabalho é a canção que deu título ao disco, letra de Carlos Rennó com melodia de Moreno e Tiganá Santana. Na faixa “Mundo paralelo”, ele celebra o Ilê Ayê: “Na subida feliz do Curuzu/ Na saída do Ilê no carnaval/ Eu me transporto a um mundo paralelo/ Aquilo ali é um elo/ Com o transcendental”.

 
“O Carlinhos Rennó mandou a letra pronta para mim e pro Tiganá, e nos colocou em contato. O Tiganá é filho da (educadora) Arany Santana, uma das fundadoras do bloco afro. Nós dois, que nem nos conhecíamos, começamos a desenvolver a música a princípio pelo telefone. Quando ela ficou pronta, o Tiganá mandou a gravação com o texto (que fala ao longo da canção) e me pediu para ver se seria possível utilizar uma parte”, continua Moreno.

 

Nove das 10 faixas são autorais. Ora Moreno faz música (como em “Vista da janela” e “Um dois e já”, ambas com letra de Quito Ribeiro), ora faz letra (“É de hoje”, com melodia de Luís Felipe de Lima).

 

“Para fazer uma música sozinho, normalmente demoro muito. Um ano até. Não é à toa que faço um disco de estúdio de 10 em 10 anos. Meus parceiros sabem que demoro, então não deixam. Acaba que em parceria a música sai bem mais rápido.”

 

Ouça a canção "A donzela se casou":

 

 


Duas faixas do repertório são só dele, “Unga dorme nesse frio” (feita para o filho José) e “A donzela se casou”. Essa última, um samba de roda, é o elo entre a família Veloso. Caetano, Bethânia, Zeca e Tom (também ao violão) gravaram as vozes com Moreno. “A donzela se casou” foi apresentada pela primeira vez na live de 2022 em que os Veloso celebraram os 80 anos de Caetano.

 
“Minha tia ficou entusiasmada com a música. Como fomos todos felizes no palco naquela noite, convidei a todos para a gravação”, comenta Moreno, que fez o registro primeiramente com os dois irmãos. Caetano e Bethânia gravaram posteriormente. A única regravação é a faixa que encerra o álbum, “Deixe estar”, dos irmãos Marina e Antônio Cícero.

 
“Mundo paralelo” fala muito da Bahia, não só da Salvador onde Moreno nasceu, como também do Recôncavo, de onde vieram os Veloso. “Essa cultura faz parte da minha formação e da minha vida. Quando vou pensar em algum trabalho, todos os elementos voltam”, explica ele, que chegou ao Rio de Janeiro ainda na infância. Mais tarde, já adulto, viveu em Salvador por alguns anos.

 

“Era uma criança morando no Rio numa casa de baianos. E a casa de baianos é mais plural do que se imagina, pois ali também vivem parentes, amigos, amigos de amigos. Quando ia para a casa dos amigos da escola, a comida era diferente. Dentro de casa, era Bahia. E as férias eram enormes, passávamos três meses lá. Mas não é só isso. A Bahia representa, para mim, a tradição do Recôncavo, de Santo Amaro, com aquele tipo de samba nos quintais, com as pessoas batendo palmas. Isso sempre foi muito importante para mim.”


Em família

 

A temporada de shows com o pai e os irmãos, de 2017 a 2020, foi “um presente” que Caetano deu pra a prole, diz Moreno. “Principalmente pela convivência ao lado dos irmãos. Vê-los debutando nos palcos, viajando o mundo inteiro, encarando plateias diferentes foi muito construtivo, uma graça celestial.”

 

A relação com Caetano se intensificou com a parceria. “Tudo com a gente sempre aconteceu de forma muito natural. Em nenhum momento tentei fugir da minha origem, e nem meu pai do fato de que também faço música. No ‘Máquina de escrever’, foi a primeira vez que gravei voz. Me sentia inseguro, então o chamei para me ajudar. Ele ficou do meu lado no estúdio. A gente faz porque é próximo, gostamos uns dos outros”, finaliza Moreno.

 

“MUNDO PARALELO”


. Álbum de Moreno Veloso
. Independente
. 10 faixas
. Disponível nas plataformas digitais