Quarenta e cinco anos atrás, Chico Buarque deu uma resposta ao jornalista Humberto Werneck, em entrevista para a extinta “Playboy”, que se revelou premonitória. “Não pertenço a grupo nenhum, nunca pertenci, e tenho a impressão de ser um cara que não está criando escola.”
Não mesmo, porque não há uma escola para Chico Buarque. Letrista celebrado, compositor sofisticado, dramaturgo das crianças e dos adultos, doutor em histórias de amor, desamor, desigualdade, samba, injustiça, política – identidade que apresenta, ao longo de seis décadas de atividade, em verso e prosa.
Hoje, no Brasil estupidamente dividido, ele não é mais “a única unanimidade nacional” como outro gênio das letras, Millôr Fernandes, um dia o chamou. Mas ele vai levando. Comemora os 80 anos, nesta quarta-feira (19/6), de maneira “chico-buarquiana”. Está em Paris com os que lhe são caros – a mulher, Carol Proner, as filhas e os sete netos.
Protesto em Paris
A passagem por Paris foi registrada no último sábado (15/6), quando o ex-jogador Raí, ídolo do Paris Saint-Germain, publicou nas redes sociais uma foto ao lado dele. Os dois participaram de protesto contra o avanço da extrema direita na França. Chico empunhava a bandeira do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Mas voltará à tona em breve.
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Em 13 de agosto, será lançado seu novo livro, “Bambino a Roma” (Companhia das Letras). Em pré-venda, a obra é apresentada como ficção. Mas o ponto de partida foi a curta passagem de Chico criança pela Itália entre 1953 e 1954, período em que seu pai, o historiador e sociólogo Sérgio Buarque de Holanda, deu aulas na Universidade de Roma.
Sobre o livro, o crítico Silviano Santiago escreveu: “'Como foi que a infância passou e nós não vimos', observou o poeta Carlos Drummond de Andrade. Na idade madura, Chico Buarque mira os tempos idos para narrar e curtir a infância em Roma, como se assistisse a um filme em que todos os personagens aparentam estar de passagem por lá. 'No estrangeiro', ressalta ele, 'é tudo estranho.' No passado, o bambino brasiliano largara mão da ideia de um diário, sugerido pela mãe. Optava pelo esquecimento, que abriria espaço para a imaginação ficcional cobrir as lacunas da memória.”
Carioca, paulista e italiano
Chico nasceu na Maternidade São Sebastião, perto do Largo do Machado. Aos 2 anos, foi para São Paulo. Dos oito aos 10 viveu em Roma e, no retorno ao Brasil, os Buarque de Holanda voltaram para a capital paulista.
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Antes de morar no Rio natal, Chico viveu em São Paulo até 1967 – chegou a cursar dois anos de arquitetura em USP, mas abandonou a faculdade para se dedicar exclusivamente à música.
A primeira música, “Canção dos olhos”, foi composta aos 15 anos. Mas o próprio Chico não a reconhece. Ainda da fase inicial, há canções menos lembradas de seu repertório como “Marcha para um dia de sol” (1964, sua primeira gravação) e “Sonho de um carnaval” (1965).
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Os célebres festivais foram não só o seu trampolim, como o de todos de sua geração. “Sonho de um carnaval” ficou entre as 13 finalistas do Festival de Música Popular Brasil de 1965, que consagrou Elis Regina por “Arrastão” (Vinicius de Moraes e Edu Lobo).
O mito
No ano seguinte, seria a vez de Chico, ao lado de Nara Leão, vencer com “A banda” – que dividiu o primeiro lugar com “Disparada”, de Geraldo Vandré e Théo de Barros na interpretação histórica de Jair Rodrigues.
Começava ali o mito Chico Buarque. Do qual, aliás, o próprio não quer nem saber.
Chico não dá entrevistas, só faz o que quer – nisso se incluem discos e turnês. A mais recente, “Que tal um samba?”, foi em 2022 – sabe-se lá quando e se haverá outra. Mas ele dá de ombros. Como brincava Ziraldo, Chico é Fluminense porque todo o resto é Flamengo.
Shows de amigos
Do lado de cá do Atlântico, o Brasil celebra a trajetória de seu artista mais completo. Há alguns shows nesta semana de gente que tem história com Chico. Quinta-feira (20/6), no Rio, Olivia e Francis Hime apresentam “Dois Franciscos” (Francis e Chico dividiram canções como “Amor barato” e “A noiva da cidade”).
No sábado (22/6), em São Paulo, Claudette Soares, que canta as músicas desde os anos 1960, faz um tributo ao amigo com que lançou, em 2023, o single “Cadê você (Leila XIV)”.
Efeméride nas livrarias
Ainda que falte biografia de peso de Chico Buarque, alguns títulos foram lançados agora em torno da efeméride. “Chico Buarque em 80 canções” (editora 34), de André Simões, analisa letras e composições. Inclui também discografia completa.
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Outro lançamento, este com viés mais biográfico, é “Trocando em miúdos: Seis vezes Chico” (Record), de Tom Cardoso. O jornalista apresenta a trajetória do artista por meio de seis temas recorrentes em sua obra: política, literatura, fama, polêmicas, censura e futebol.
Por fim, em “O que não tem censura nem nunca terá” (L&PM), Márcio Pinheiro traz à tona a turbulenta relação de Chico Buarque com a censura durante a ditadura militar. Um dos autores mais censurados durante a repressão, ele sofreu a primeira canetada em 1966, com “Tamandaré”.