Até a metade da década de 1970, Bruna Lombardi atuava como modelo. Escrevia poesia havia algum tempo, até que o linguista Adovaldo Fernandes Sampaio, que ela nunca tinha visto, descobriu alguns de seus poemas. Encantado, levou-a para publicar em revistas literárias do Brasil e do exterior.
O cheque de US$ 400 da revista de uma universidade de Nova York, o maior que tinha recebido até então, foi uma alegria. Vendo a boa repercussão, Bruna reuniu seu melhor material e conseguiu um editor. “Parabéns, o nosso conselho (editorial) aprovou. Você escreve como um homem”, ele lhe disse, como se fosse elogio, ao anunciar que a editora publicaria o primeiro livro dela.
“No ritmo dessa festa” foi lançado em 1976. Com prefácio de Chico Buarque, de quem Bruna é fã desde sempre. Ele havia recebido os originais sem saber quem era a autora. O livro vendeu que nem pão quente, 70 mil exemplares. “Foi uma virada muito grande, fui abraçada pelos grandes intelectuais do Rio, uma coisa que jamais tinha sonhado. Para mim, teria bastado o prefácio do Chico”, comenta.
Crônicas
Quarenta e oito anos mais tarde, Bruna, hoje com 71, chega ao 12º livro, a compilação de crônicas “Manual para corações machucados” (Sextante). Entre a estreia e a nova obra houve não só 10 outros títulos, mas a intensa carreira como atriz, principalmente na TV (iniciada em 1977) e também no cinema. Mais tarde, ela apresentou programas, tornou-se roteirista e diretora.
“Minha trajetória é totalmente fora do padrão, tanto que houve mil cobranças por isso, já que falei de misoginia, mudanças climáticas e destruição da natureza numa época em que esses assuntos não eram temas”, comenta Bruna, que estará, neste sábado (22/6), no Festival Literário Internacional de Araxá (Fliaraxá).
Será sua segunda participação no evento. Desta vez, ela está na qualidade de autora homenageada, papel que divide com a “irmã de coração” Djamila Ribeiro. As duas dividirão mesa com Sérgio Abranches, um dos curadores do Fliaraxá. Nesta edição, a de número 12, o festival trabalha o tema “Memória, literatura e diversidade”.
Conceição Evaristo é a convidada especial e Ziraldo, morto há dois meses, o patrono. Realizado na Fundação Cultural Calmon Barreto, no Centro de Araxá, o festival recebe 84 convidados em cinco dias. Entre eles estão Jamil Chade, Luís Giffoni, Marcelino Freire, Marcelo Rubens Paiva, Márcia Tiburi, Paloma Jorge Amado e três autores estrangeiros, a cubana Teresa Cárdenas, o português Afonso Cruz e a francesa Hannelore Cayre.
Casamento com Ricelli
Na vida pessoal, Bruna tem um dos casamentos mais longevos e célebres, porém discretos, do showbizz nacional. Está caminhando para 46 anos de união com Carlos Alberto Riccelli, de 77, que conheceu em “Aritana” (1978), sua segunda novela. Desavisados podem achar que o título “Manual para corações machucados” trata do amor romântico. Não, o espectro é mais amplo.
“É exatamente isso que quero frisar. Parece um livro romântico, simples, mas ele vai além. Temos que parar um pouco e dar um pensadinha, pois não são somente os relacionamentos amorosos que nos machucam. E também não temos como não machucar no mundo. Existe uma série de pequenas e grandes perdas, coisas que nos acontecem, e pela maneira como reagimos elas podem se tornar dolorosas. O livro é sobre a abrangência daquilo que nos machuca, e mostra uma solução, uma esperança no ar”, explica Bruna.
São 88 crônicas, reunidas a partir do roteiro que a autora organizou. “Queria que a leitura conduzisse o leitor para a gama de sentimentos que trazemos dentro de nós”. Mesmo que busque trazer uma luz para quem lê, Bruna refuta qualquer vocação para a autoajuda.
“Nunca li autoajuda, acho que ela busca fórmulas. Os livros que me propus a fazer nos ajudam a compreender melhor, refletir sobre coisas dentro de nós. Gostaria que eles expandissem a mente.”
Para isso, não há solução melhor do que a leitura. Bruna fala com conhecimento de causa. “Meu diferencial na vida sempre foi a leitura. Quando comecei a aparecer no mundo literário, já estava muito preparada. Como comecei a ler muito cedo, nada me intimidava”, conta.
Guimarães Rosa
Seu grande papel na televisão foi a Diadorim da minissérie “Grande sertão: Veredas” (Globo, 1985), produção de Walter Avancini que marcou época. Quando o diretor a convidou para o papel, Bruna, que conhecia bastante a obra-prima de Guimarães Rosa, levou um choque. “Não consegui nem entender o convite, pois não me via no personagem. O Avancini queria tanto que disse que se eu não aceitasse, cancelaria o projeto.”
Uma vez no papel, Bruna entrou com tudo. “Foi mudança de alma, não só do físico. Cheguei dentro do sertão profundamente, pois o Avancini não fez como em outros trabalhos, em que os atores chegam e têm trailer com ar-condicionado. Ele queria que a gente vivenciasse. Então, eu ficava 12 horas no lombo de um cavalo, passava todo o calor, fome e sede do personagem. Refizemos o caminho de Guimarães. Aquilo foi absolutamente marcante, pois a maneira como você carrega o sertão dentro de si é para sempre mesmo”, conclui Bruna, citando o escritor mineiro.
“MANUAL PARA CORAÇÕES MACHUCADOS”
• Livro de crônicas de Bruna Lombardi
• Sextante
• 240 páginas
• R$ 49,90 (livro)
• R$ 29,99 (e-book)
FLIARAXÁ
O Festival Literário Internacional de Araxá vai até domingo (23/6), na Fundação Cultural Calmon Barreto (Praça Artur Bernardes, 10, Centro). Entrada franca. Programação completa: fliaraxa.com.br