Uma trupe de artistas circenses circulou pela Praça Tiradentes, entre os espectadores da noite de abertura da 19ª CineOP, na última quinta-feira -  (crédito: Leo Lara/Divulgação)

Uma trupe de artistas circenses circulou pela Praça Tiradentes, entre os espectadores da noite de abertura da 19ª CineOP, na última quinta-feira

crédito: Leo Lara/Divulgação

OURO PRETO (MG) - “Respeitável público! Senhoras e senhores. Vamos cuidar mais da gente. Vamos pensar diferente. Porque daqui só se leva o amor.” 


Nessa mescla entre bordões circenses e música mineira – representada pelo Jota Quest nos versos de “Daqui só se leva o amor” –, a Mostra de Cinema de Ouro Preto abriu oficialmente sua 19ª edição na quinta-feira (20/6), em evento realizado na praça principal da cidade histórica. Os versos dos mineiros foram incorporados ao discurso de abertura da diretora da CineOP, Raquel Hallak.

 

Entre os espectadores que se reuniram para assistir à cerimônia de abertura da mostra, uma trupe mambembe passou dançando, cantando, cuspindo fogo e manipulando fantoches entre o público. Era a ideia de que, para alcançarmos um mundo melhor, devemos nos espelhar nas crianças: caminhar no presente, mas sempre de olho no futuro.

 

Tal ideia dialoga com a proposta da CineOP deste ano de jogar os holofotes no cinema de animação brasileiro, gênero que caminha com certas dificuldades no presente, mas projeta conquistas no futuro.

 

 

Conforme lembrou a própria Raquel Hallak em entrevista ao Estado de Minas nesta semana, “a animação é um segmento do audiovisual que atualmente está com uma lacuna de encontros, debates e trocas de experiências no Brasil”.

 

"Por isso, quando trazemos a animação para o centro da mostra é como se colocássemos um holofote em cima desse gênero, que também representa resistência", afirma a produtora. "Temos uma maioria esmagadora de curtas-metragens e poucos longas. Isso porque um longa de animação costuma levar vários anos para ser produzido e os animadores passam por grandes dificuldades devido à falta de continuidade de financiamento no Brasil para a área da animação”, acrescentou Hallak.

 

Falta dinheiro


A falta de recursos financeiros para desenvolver seus projetos é, de fato, a maior dificuldade dos animadores.


“O processo de animação é muito trabalhoso. Ele requer muita paciência, muita força e muito pique dos artistas”, destaca, por telefone, o cineasta Alê Abreu. Em 2016, ele foi indicado ao Oscar pelo longa “O menino e o mundo” na categoria de melhor longa-metragem de animação, mas perdeu para “Divertida mente”.

 

 


Abreu seria o homenageado nesta edição da CineOP com o troféu Vila Rica, mas não pode ir ao evento por problemas pessoais.

 

Voltando ao processo de produção de filmes animados, Abreu diz: “No processo de animação, você tem que desenhar muito. Você quase não tem tempo para pensar. Tem animador que leva quase 10 anos para fazer um curta-metragem. Então, imagine o tempo que se leva para fazer os longas!”.

 

Peixe de boca aberta no desenho animado Bizarros peixes das fossas abissais

Cena de "Bizarros peixes das fossas abissais", longa de estreia do animador Marão

Reprodução

 


Foi exatamente o que ocorreu com o carioca Marão, que levou uma década para produzir e lançar em 2023 “Bizarros peixes das fossas abissais”, seu primeiro longa.

 

Marão começou a carreira com animação em curta-metragem. Seu primeiro filme foi “Cebolas são azuis” (1996). Vieram em seguida “Chifre de camaleão” (2000) e “Pelotas de regurgitação” (2000). Aí não parou mais. Ao todo, já tem 12 curtas e um longa.

 

“Foram exatos 10 anos desde os primeiros esboços até o filme pronto”, lembra ele. “Ao invés de 100, 200 animadores, a gente tinha apenas três pessoas. Foi um filme feito de maneira muito autoral, de forma quase teatral. Eu improvisava as cenas à medida em que o filme ia avançando, porque eu sabia que ia levar quatro, cinco ou 10 anos para ficar pronto. Por isso eu não queria ter um storyboard, um roteiro fechado”, diz.

 

Caçada ao bisão

 


Quem passou por situação parecida foi a mineira Tânia Anaya. Em 1989, ela lançou o curta “Mu” (1989), filme em que ela propõe, em pouco mais de um minuto, um ensaio sobre uma pintura rupestre que representa a caçada a um bisão.

 

Os filmes seguintes da animadora, no entanto, só vieram anos depois de sua estreia na animação, com os curtas “Balançando na gangorra” (1992), “Castelos de vento” (1998) e “Ãgtux” (2005). Em breve, vai estrear novo filme, mas ela prefere não entrar em detalhes.

 

“Eu nunca tinha pensado em fazer animação. Na verdade, eu realmente não ligava muito para isso”, conta ela. “Porque, quando eu era jovem, na época em que eu estudava na escola de Belas Artes da UFMG, a maior parte dos filmes que chegavam para a gente eram essas superproduções da Disney. A gente não imaginava que poderia fazer algo que fugisse disso”, comenta.

 

Atualmente, o cenário é outro, concordam os animadores. Se entre as décadas de 1980 e 1990 eles tinham de ser autodidatas, agora já existe uma formação profissional consistente, que contribui para o mercado nacional de animação.

 

“O único problema continua sendo a grana. Podemos ter excelentes animadores, o que de fato temos, mas, sem recursos, é impossível desenvolver um filme”, aponta Marão.

 


19ª MOSTRA DE CINEMA DE OURO PRETO


Até 24 de junho, em Ouro Preto. Programação gratuita, disponível no site cineop.com.br.

*O jornalista viajou a convite da Universo Produção