Ricardo Aleixo ergue a fotografia dos pais, Américo e Iris, que já morreram, ao tomar posse na Academia Mineira de Letras -  (crédito: Marcos Vieira/EM/D.A Press)

Ricardo Aleixo ergue a fotografia dos pais, Américo e Iris, que já morreram, ao tomar posse na Academia Mineira de Letras

crédito: Marcos Vieira/EM/D.A Press

 

 

Homem da palavra que voa, o poeta Ricardo Aleixo se tornou, na noite desta sexta-feira (21/6), o novo imortal da Academia Mineira de Letras (AML). É o sétimo ocupante da cadeira nº 31, vaga desde a morte do escritor, professor e crítico Rui Mourão, em fevereiro.

 


“Minha entrada foi antecedida pela de Ailton Krenak e de Conceição Evaristo. Então, minha responsabilidade é muito grande em uma academia que diz, abertamente, que quer se transformar. Entendo que hoje a academia é outra coisa. A de Minas tem uma universidade livre, uma revista bastante diversificada, pessoas que respeito e a quem chamo amigas”, afirmou o poeta ao Estado de Minas.

 

 


Conceição e Krenak conduziram Aleixo à mesa onde ele fez o discurso de posse. Aleixo falou do impacto da literatura em sua vida, comparável ao encontro de Diadorim e Riobaldo em “Grande sertão: veredas”.

 


“Não a melhor das opções colocadas para o garoto de 18 anos que perde a visão, mas a única possibilidade. Maior orgulho: de não ter traído minha escolha. Desde os 18 anos não deixei de dedicar um dia à arte da palavra”, destacou.


Canção para Krenak



Aleixo subiu ao palco carregando a foto dos pais, Américo e Iris. Lembrou a falta de chance do casal de estudar. “Tive que ser o melhor não porque sou negro, mas porque sou filho de Iris”, afirmou.

 


Transformou um poema em canção, dedicado a Ailton Krenak. Terminou seu discurso dizendo versos junto com a plateia: “Eu jogo palavra no vento e fico vendo ela voar”.

 

Os acadêmicos Conceição Evaristo e Ailton Krenak conduziram Ricardo Aleixo (ao centro) à mesa, durante posse na Academia Mineira de Letras

Os acadêmicos Conceição Evaristo e Ailton Krenak conduziram Ricardo Aleixo (ao centro) à mesa, durante a solenidade

Marcos Vieira/EM/D.A Press

 


Presidente da AML, Jacyntho Lins Brandão pegou emprestado versos de Aleixo: “Mesmo quando ando só eu só ando em bando”. “Vou confessar que nós também. Bem-vindo ao bando das letras”, disse Brandão.

 

Em sua saudação ao novo acadêmico, o presidente emérito da Academia, Rogério Tavares, destacou que a extensa obra de Aleixo “não se deixa classificar.” Disse ainda que o compromisso dele é com “a arte, a poesia e o mistério da linguagem”.

 


O novo imortal afirmou ao Estado de Minas que considera uma passagem de sua juventude a parte “mais surpreendente da trajetória de uma pessoa negra, pobre, moradora da periferia”. Com 18 para 19 anos, o caçula de Américo Brasílio de Brito (1911-2008) e Iris Aleixo de Brito (1918-2009) contou aos pais que não voltaria para escola, pois pretendia ser poeta.

 


“Não ouvi nem dela, nem dele, qualquer admoestação, advertência, algo como ‘do que você pretende viver?’. Eles simplesmente me apoiaram”, conta Aleixo. O estudante que aos 8 anos recebeu diploma de honra ao mérito na Escola Estadual Pedro II abandonou o ensino médio, então 2º grau, sem concluí-lo. Era aluno do Imaco.

 


“Não tive paciência, era tudo muito ruim. Estamos falando de 1979, ditadura militar, eu não aguentava mais. Antonin Artaud fala que Van Gogh foi suicidado pela sociedade. Eu fui saído da escola, simplesmente senti que não era o melhor lugar para mim. Nunca tive tanta certeza na vida”, acrescenta.

 


“Aos 18 anos, começo a escrever compulsivamente. Poemas, contos e outros tipos de textos que não conseguia classificar. Isso abriu um caminho, não profissional, mas de vida mesmo”, relembrou.

 

Ricardo Aleixo (ao centro) com os integrantes da Academia Mineira de Letras

Ricardo Aleixo (ao centro) com os integrantes da Academia Mineira de Letras

Marcos Vieira/EM/D.A Press

 


Ricardo Aleixo é poeta, mas não no sentido de quem faz versos. “Poeta no sentido etimológico, o que os gregos determinaram como aquele que faz. Me sinto e me sei um fazedor: poemas, teatro, quadros, não importa o suporte. Como poeta, lido com o fenômeno da linguagem, da expressão.”

 

Pai e mãe: o "grau zero"

 


Fora da escola, Aleixo passou a estudar só o que lhe agradava. “Sou aquele que seria chamado autodidata, mas não me considero como tal, pois tudo o que sei foi balizado na relação cotidiana das pessoas. E ao longo da vida entendi que o grau zero disso tinha sido a minha relação com meu pai e minha mãe.”

 


Os dois eram grandes leitores. O pai, também cinéfilo, calígrafo e amante da música. A mãe tinha letra muito bonita, gostava de ler em voz alta para a família. “Os Aleixo de Brito foram riquíssimos, só não tinham dinheiro”, acrescenta.

 


O título de notório saber, concedido há três anos pela UFMG, lhe garantiu o título de doutor em letras. Eleito há um mês, a posse de Aleixo foi a jato. A solenidade ocorreu agora porque em setembro ele parte com a companheira, Natália Alves, para quase um ano na Universidade de Nova York (NYU).

 

O professor e acadêmico Wander Melo Miranda entrega o diploma da AML a Ricardo Aleixo

O professor e acadêmico Wander Melo Miranda entrega o diploma da AML a Ricardo Aleixo

Marcos Vieira/EM/D.A Press

 

Novo livro em agosto

 


Antes disso, o poeta lança seu 21º livro. Previsto para agosto, “Tornei de Luanda um kota” nasceu da viagem que fez a Angola há pouco mais de um ano. Kota quer dizer velho.

 


“Gosto de ser um velho, mas não um velho como o etarismo define. Tenho a idade que tenho, 63 anos. No meu encontro com outros kotas em Luanda, poetas e romancistas que participaram inclusive das lutas pela libertação de Angola nos anos 1970, tive uma espécie de iluminação. Sou um velho que a tem a alegria como pressuposto filosófico. Ela é minha forma de pertencimento no mundo. Nunca fui tão feliz quanto hoje. E isso é uma escolha poética e política”, afirmou o poeta ao Estado de Minas.