João Carlos Firpe Penna propõe reflexões sobre as complexas relações entre a mídia, o poder e o dia a dia do cidadão -  (crédito: Acervo pessoal/reprodução)

João Carlos Firpe Penna propõe reflexões sobre as complexas relações entre a mídia, o poder e o dia a dia do cidadão

crédito: Acervo pessoal/reprodução

“Lugar de repórter é mesmo na rua”, lembra o jornalista e professor João Carlos Firpe Penna em “O barbudo que chora”, uma das 40 histórias contadas no livro “Como é ser jornalista (e ser feliz na profissão)”, que será lançado nesta quinta-feira (27/6), no Sindicato dos Jornalistas de Minas Gerais, em Belo Horizonte.

 
Embora esta máxima do jornalismo hoje esteja mais para “lugar de repórter é nas redes sociais”, devido às radicais mudanças nas redações nos últimos 10 anos – como o avanço da tecnologia e a popularização do WhatsApp e de outras redes sociais, pelas quais é feita a maioria das entrevistas, incluindo vídeos –, o livro de João Carlos, que retrata suas três décadas como repórter, editor e professor universitário, mostra que o lugar do repórter continua sendo a rua, em todos os espaços, no contato direto com o entrevistado, por mais que a tecnologia seja tentadora e o tempo sempre curto.

 

Um exemplo curioso vem do próprio relato “O barbudo que chora”. O autor conta que integrava a equipe do jornal mensal da Prefeitura de Belo Horizonte no fim dos anos 1990 e foi escalado para fazer reportagem sobre a rotina de uma creche.

 

Lição de vida

 

Depois de conversar com a diretora e os professores e tirar fotos com as crianças, João percebeu que elas ainda não estavam à vontade, ficavam arredias. A diretora, então, o chamou e pediu para fazer uma pergunta.

 

“Ela perguntou se eu não importaria de deixar as crianças passarem as mãos em minha barba. Por um instante, fiquei logo surpreso, mas ela logo explicou: – É porque muitas delas nunca tiveram pai conhecido, por isso gostariam muito de sentir uma barba nos dedos. Na hora, simplesmente falei, bem espontâneo: 'Claro que sim, podem pegar à vontade'. Aos poucos, elas foram passando as mãos. Aqueles rostinhos inocentes, covinhas ao sorrir, sardas e remelas... Quanta vida cada uma daquelas crianças teria pela frente?, pensei. O que de bom e de ruim iria acontecer com elas ao longo da existência. Um dia deixariam o aconchego da creche para enfrentar o mundo lá fora. Fariam muitas coisas na vida, mas nunca teriam um pai para fazer carinho na barba”, relata.

 

“Despedi-me de todos, que me acompanharam com alegria até o portão velho de ferro. Fiquei de mandar as fotos. Dei tchau várias vezes, até aquelas pessoas ficarem para trás. Entrei no carro, liguei e acelerei. Virei a esquina, aproximei-me do meio-fio e estacionei. Eram cinco e meia, a tarde ia embora. Desliguei o motor. E chorei. Segurando firme no volante. Chorei muito, sem pensar no futuro, enquanto a realidade engolia o coração do repórter de rua.”

 

 

É bom possível que, hoje, uma reportagem numa creche assim seja feita por vídeo, o que privaria as crianças e o repórter de importante e literal contato afetivo.

 

“A história que vivi naquela tarde foi muito triste, ainda que essencial à carreira dos jornalistas sensíveis à realidade dos excluídos e maltratados”, lembra João Carlos.

 

As pedras no caminho


Outro texto revela a descoberta do talento para o jornalismo de um futuro bom repórter por mero detalhe. João Carlos conta que quando era editor de um grande jornal de BH, permitiu que um aluno insistente acompanhasse a reportagem sobre a produção de ardósia em Caetanópolis, perto de BH.

 
No fim do dia, o repórter designado entregou a matéria burocrática e descartável: “Caetanópolis, cidade de tantos habitantes, situada a 100 quilômetros da capital, é hoje um dos maiores produtores de pedra ardósia do Brasil....”


Porém, ao receber o texto do insistente estudante, o editor foi surpreendido.


João Carlos lembra: “(O aluno) pediu para ler o texto, mesmo sabendo que não seria aproveitado. Li o primeiro parágrafo. Na sequência, li todos os outros, rapidamente. Mas antes de chegar ao final, decido sobre qual texto publicar. Ele iniciou a matéria – e a carreira – com a seguinte frase: 'No meio do caminho ainda tem uma pedra'.”

 

O futuro estagiário se formou, trabalhou em O Globo, depois na Veja, na Folha, fez especialização em Londres e se tornou funcionário de destaque da ONU.

 

 

“Não tenho dúvida, ao parafrasear Carlos Drummond de Andrade pela segunda vez: 'No meio do caminho tem sempre um jornalista competente', arremata João Carlos. “É assim que talentos se manifestam diante das oportunidades.”

 

Essas e outras 38 histórias curtas, que incluem jornalismo econômico – ou a tradução do economês para o leitor comum –, nas palavras do autor, “têm, de maneira despretensiosa, porém determinada, o intuito de contribuir para a reflexão sobre as relações entre o jornalismo e o cotidiano da vida na sociedade contemporânea, passando pelas inexoráveis relações entre a mídia, o poder e o dia a dia de todos nós”.



“COMO SER JORNALISTA (E SER FELIZ NA PROFISSÃO)”


. De João Carlos Firpe Penna
. Editora Fino Traço
. 158 páginas
. Lançamento nesta quinta-feira (27/8), das 19h às 23h, no Sindicato dos Jornalistas (Avenida Álvares Cabral, 400, Centro)
. R$ 54 (à venda no site www.finotracoeditora.com.br)