Tal como os Buendía de “Cem anos de solidão”, obra-prima de Gabriel García Márquez, ele vem de longa linhagem. Se diz mais um dos vários Herculanos de um rincão no Vale do Rio Doce. Mas o primogênito do farmacêutico Herculano de Oliveira Lopes e da professora Iracema Aguiar de Oliveira é o único deles que vai se tornar imortal.
Na noite desta sexta (28/6), às 20h, o escritor e jornalista Carlos Herculano Lopes toma posse na Academia Mineira de Letras. Vai ocupar a cadeira de nº 37, sucedendo o poeta e contista Olavo Romano (1938-2023). O discurso de recepção será feito pelo acadêmico Luís Giffoni.
Com 15 livros publicados a partir de 1980, sua obra se desdobra em contos, romances e crônicas. São as narrativas de maior fôlego, no entanto, que trazem a marca de sua literatura.
“As minhas histórias exploram um universo que, modestamente, conheço por dentro: o universo dos vales do Rio Doce e do Jequitinhonha. Não tenho nenhum romance urbano. Minhas histórias são imaginadas, algumas baseadas em fatos, coisas que ouvi e vi daquela região.”
Herculano fez 67 anos. Mesmo que tenha deixado sua cidade natal (população de 8.163 pessoas, pelo Censo de 2022) aos 11, Coluna não saiu dele. Além da relação familiar, mantém uma fazenda de pecuária em sua cidade, que visita mensalmente.
Foi ali que decidiu se tornar escritor. “Minha mãe, professora primária, sempre se preocupou em me incentivar a ler.” Aos 9 anos, começou a escrever seu primeiro livro. “O estilingue – Histórias de um menino” (Editora UFMG) foi publicado em 2013. A história de como ele encontrou os originais forma o arsenal de casos que Herculano coleciona.
Em 2011, ele doou seu acervo para o Acervo dos Escritores Mineiros da UFMG. Em sua pesquisa, encontrou, no fundo de uma gaveta, uma pasta amarelada pelo tempo. Eram os originais de “O estilingue”, descoberta que trouxe “uma das maiores emoções da vida”. Editou o material que foi publicado, com ilustrações de Marcelo Lelis, praticamente como havia sido escrito.
“Tropas e boiadas”
Em Belo Horizonte, sua história começou no Colégio Arnaldo. Ali tornou-se o Curió. De português, ele sempre entendeu, mas de inglês, não. Safo, trazia de Coluna exemplares do passarinho para o professor da língua estrangeira. Ninguém precisa somar dois e dois para entender que Curió passou de ano.
Foi na biblioteca do Arnaldo que ele descobriu um livro transformador. Tinha 13 anos quando leu “Tropas e boiadas”, do escritor goiano Hugo de Carvalho Ramos. “A história que ele escrevia era muito parecida com a minha. Tinha coisas do campo, fazendas, rios. Ler aquilo me deu clareza. Se esse moço conseguiu publicar, vou conseguir também.”
Não pensou duas vezes. Estudaria jornalismo, pois seu objetivo era a literatura – graduou-se na antiga Fafi-BH. A partir deste período, final da década de 1970, início de 1980, Curió saiu de cena (menos para os colegas do Arnaldo) e chegaram Carlinhos, para os amigos da literatura, e o Herculano, para os companheiros de imprensa.
Produção independente
Primeiro o Carlinhos. Escreveu e reescreveu seu livro de estreia, a coletânea de contos “O sol nas paredes” (1980). “Sem nenhuma modéstia, já sabia o que estava fazendo”. Bancou ele próprio a edição. “Havia um movimento de literatura independente em Belo Horizonte. A gente vendia nas ruas, nos bares, em porta de teatro.”
A partir deste título, veio o desejo de escrever mais. Seu romance de estreia, “A dança dos cabelos”, acompanha três gerações de mulheres. A obra lhe deu o (extinto) Prêmio Guimarães Rosa, “um incentivo e tanto”. Mesmo com tal respaldo, foi recusada por sete editoras.
Autor revelação
Foi o produtor cultural Afonso Borges quem lhe apresentou à escritora Rose Marie Muraro, na época dando início à editora carioca Espaço e Tempo. “Ela leu e ficou encantada”. Publicou e o romance teve excelente repercussão. Em 1987, ele recebeu o Prêmio Lei Sarney (também extinto) de autor revelação.
Com 12 edições, “A dança dos cabelos” nasceu das histórias que ouvia de sua mãe. A Coluna da infância, aquele lugarejo sem luz elétrica, era muito influenciado pela tradição oral.
A partir deste vieram outros romances: “Sombras de julho” (1990, hoje em sua 23ª edição), “O último conhaque” (2003), “O vestido” (2004) e “Poltrona 27” (2011).
Das páginas para a telona
Algumas dessas histórias ganharam adaptações para o cinema e a TV, caso de “Sombras de julho”, de Marco Altberg, “O vestido” e “Poltrona 27”, ambos de Paulo Thiago.
O escritor e o jornalista sempre andaram lado a lado. “Nunca fui um bom repórter de rua. Minha área era voltada para dentro da redação, com entrevistas e matérias sobre o universo dos livros.”
Herculano trabalhou durante 24 anos no jornal Estado de Minas – entre idas e vindas, de 1979 a 2015. Havia histórias todos os dias, nem que fosse uma colhida no percurso que fazia sempre a pé (como bom jornalista, não dirige), de sua casa, no Santo Agostinho, até a redação, no Bairro Funcionários.
Foi na redação que surgiu o cronista. Com a morte de Roberto Drummond, em junho de 2002, Herculano foi convidado para escrever a crônica de despedida. Depois veio outra, e mais outra. “Nessa brincadeira, foram 14 anos, com mil e tantas crônicas. A crônica mudou a minha vida. Passei a ter outro olhar para o mundo, mais sensível, antenado.”
A produção para o EM já rendeu cinco livros. O sexto, com 200 crônicas escolhidas (com a ajuda do escritor Jacques Fux), será publicado em breve. Atualmente, a Editora Record está relançando seus romances.
O mais recente é a sétima edição de “O último conhaque”. Uma vez empossado, o acadêmico retoma a escrita de um novo romance.
ROMANCES