Em março de 1968, Ruy Castro tinha acabado de completar 20 anos. Atuava na imprensa carioca desde o ano anterior. Naquela altura, Tom Jobim, de 41, era, havia muito, Tom Jobim – sem necessidade alguma de aposto. O repórter não se deteve diante de seu entrevistado. Já no primeiro encontro ouviu confidências do maestro – regadas a muito chope.

 




Ao longo dos 26 anos seguintes, até a morte de Jobim, em dezembro de 1994, os dois voltariam a se encontrar, pública e privadamente, várias vezes. E Jobim virou um dos grandes personagens de Castro.

 


Com chegada nesta terça (11/6) às livrarias, “O ouvidor do Brasil” (Companhia das Letras) reúne 99 crônicas de Castro em que Jobim aparece tanto como protagonista quanto como coadjuvante. Os textos foram publicados entre 2007 e 2023 na “Folha de S.Paulo”, onde Castro escreve quatro vezes por semana. Nove são inéditos.

 


Por meio desses textos curtos, com sua pena sempre precisa, Ruy Castro coloca Jobim tanto em perspectiva quanto nos mostra um lado humano do maestro. “Não fosse ele um músico, ninguém mais equipado para ouvir o país, do pio do inhambu aos gritos da floresta sendo abatida a machado ou serra.”

 


Em “Tinha de ser”, a crônica de número 99, você encerra o livro escrevendo que o documentário “Elis e Tom” (2023) foi o motivador de “O ouvidor do Brasil”. Você se impressionou quando percebeu a quantidade de textos seus em que Tom Jobim era personagem?
Sim, sabia que tinha escrito muitas, mas não imaginava quantas. Escrevi muito sobre o Tom, desde 1968. Quase todos os meus livros sobre música (“Chega de saudade”, “A onda que se ergueu no mar”, “Tempestade de ritmos”, “A noite do meu bem”, “Letra e música”) e até os que não são especificamente, como “Ela é carioca”, falam dele.

 

 

Ao assistir ao documentário, senti que a plateia o via com tanto amor que era como se nunca tivesse morrido. Estive com Tom na Plataforma cerca de 15 dias antes da viagem dele para Nova York, onde ia se submeter à cirurgia que se revelaria fatal. Ele me disse uma frase que repetia sempre: “Nova York é uma cidade ideal para você passear de maca, olhando pra cima!”. Que irônico, não?

 


Como o Ruy Castro “foca” no jornalismo conheceu Tom Jobim, o compositor consagrado?
Justino Martins, diretor da revista “Manchete”, me pediu que o entrevistasse. Era março de 1968 e, desde novembro ou dezembro de 1967, todo mundo só tocava o seu novo LP, “Wave”, o da girafa na capa. O chefe de reportagem me passou o telefone dele.

 

 

Liguei e ele mesmo atendeu. Marcamos para o dia seguinte e lá fui eu. Ele morava na Gávea. Ficamos lá um pouco e ele sugeriu irmos continuar a conversa no Veloso, em Ipanema. Em poucas horas e uns 200 chopes depois, estávamos íntimos, ele me fazendo confidências. Tom era assim.

 


Você o entrevistou várias vezes. Houve alguma pergunta que não teve resposta? E haveria alguma nova pergunta a fazer a ele hoje?
Pergunta sem resposta? Ao contrário! Quando o entrevistei para a “Playboy”, em 1988, tive de lhe fazer aquelas perguntas chatas que a revista exigia: Qual foi sua primeira vez? Com quem? Quantas já deu num dia? Brochou alguma vez? E ele, encabulado, respondeu. Hoje eu lhe perguntaria se compôs alguma música nova no céu.

 


Dá para imaginar Tom Jobim, “o chato da ecologia” nos anos 1970, vivendo no estado de total calamidade climática em que nos encontramos hoje?
Pois é, falo sobre isso no livro. Os problemas que o preocupavam naquele tempo não são nada comparados aos de hoje. Mas, se os de hoje são o que são, é porque não resolvemos os que o preocupavam.

 


Em “Falsas boas histórias” você desmitifica lendas em torno de Tom Jobim. Escrever com acuro na era das fake news (e das tais “narrativas”) ficou mais complicado?
Não. As fake news de hoje são tão grosseiras que saltam aos olhos. O problema é que elas são mais velozes do que a informação real. Quando são finalmente desmentidas, já fizeram um grande estrago na cabeça dos papalvos.

 


Escrever na imprensa – com precisão e relevância, já que seu espaço não lhe permite ir além dos 2 mil toques – é uma forma de arte, obviamente burilada com o exercício diário. Há dias em que você se pega sem assunto?
Nunca. Passo todo o tempo atento à atualidade, donde assunto não falta. O importante é manter uma diversidade entre as quatro crônicas semanais. Não podem ser quatro pesadas, nem quatro leves. Tem que alternar.

 


Você é um notório rato de sebo. Poderia falar de suas descobertas mais recentes?
Quando estava fazendo “Metrópole à beira-mar”, que trata do Rio dos anos 1920, desafiei-me a encontrar a primeira edição de todos os livros daqueles escritores e jornalistas que citava: João do Rio, Gilka Machado, Alvaro Moreyra, Ronald de Carvalho, Theo Filho, Benjamim Costallat, Adelino Magalhães, Carmen Dolores etc. Levei quatro anos, mas consegui. Hoje tenho uma estante linda com eles, da qual tirei a antologia “As vozes da metrópole”, que saiu em 2021. Meu sebo de estimação no Rio é o Mar de Histórias, em Copacabana. Luiz, o proprietário, é o meu anjo da guarda – acha tudo de que preciso.


“O OUVIDOR DO BRASIL”
• Ruy Castro
• Companhias das Letras (295 págs.)
• R$ 69,90 (livro) e R$ 39,90 (e-book)

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