É domingo da Ressurreição. A procissão do Santíssimo Sacramento sobe uma ladeira de pedras em Ouro Preto. O estandarte vermelho que guia o cortejo estaca momentaneamente diante de uma república onde, no dia anterior, sábado de Aleluia, realizava-se uma festa de estudantes que não tinha nenhuma relação com a Semana Santa. É o sagrado e o profano convivendo juntos, resquícios do barroco que persistem na antiga Vila Rica.

 


“Em 2013, estive lá para fotografar as solenidades. Fazia parte de um projeto no qual percorri sete estados brasileiros para fazer fotos da Semana Santa. Em Ouro Preto, vi muito essas duas realidades convivendo juntas”, conta a fotógrafa Isabela Senatore.

 

“Muitos dos jovens que moravam naquelas repúblicas estavam envolvidos, curtindo e participando de algumas solenidades, por mais que alguns deles nem fossem religiosos”, acrescenta.

 



 


Recorte católico

 

O projeto citado por ela é o livro de fotografia “Devoção”, do qual parte das fotos estão na mostra coletiva “Devoção – Mas trazemos flores, prendas e rezas”, que estreia na CâmeraSete – Casa da Fotografia de Minas Gerais, nesta quarta (19/6), e fica em cartaz até setembro.

 


Com curadoria da Fundação Clóvis Salgado (FCS), a exposição reúne trabalhos que lançam olhares para a relação das pessoas com a fé, mais especificamente com a fé católica. São fotografias de ritos, imagens e esculturas de santos e ex-votos (objetos dados pelos fiéis aos santos de devoção como agradecimento por graças alcançadas) pelas lentes de Isabela Senatore, Carol Lacerda, Marco Tulio Resende, Miguel Aun e do francês Marcel Gautherot (1910-1996).

 

Detalhe de fotografia de Marcel Gautherot, que registrou preparativos para o jubileu em Congonhas em 1947

Marcel Gautherot/1947/divulgação

 


O recorte da mostra dá ao visitante a possibilidade de ver diferentes perspectivas da devoção em várias épocas e circunstâncias. Senatore, por exemplo, volta sua câmera para crianças vestidas como anjos nas procissões do Enterro e da Ressurreição, fiéis vestidos de personagens bíblicos em representações da Paixão de Cristo, tapetes de rua e as contas do rosário deslizando pelas mãos dos devotos.

 


“A Semana Santa em Minas chama a atenção pelo colorido”, diz a fotógrafa, que é de Campinas (SP). “São cores bem vivas que a gente vê nas roupas que as pessoas usam, tanto naqueles trajes de época para a encenação da Paixão, quanto nas capas das pessoas que pertencem às irmandades religiosas”, acrescenta, referindo-se às opas das irmandades de Ouro Preto e Mariana.

 

Gautherot, o francês apaixonado pelo Brasil

 


Carol Lacerda, Marco Tulio Resende, Miguel Aun e Marcel Gautherot, por sua vez, trazem imagens do Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas. Na fachada do templo, estão os 12 profetas esculpidos em pedra-sabão por Aleijadinho, cujos detalhes foram capturados por Gautherot.

 


Deste francês que se instalou no Brasil e por aqui ficou até morrer, aos 86 anos, também há fotos de fiéis que participaram da romaria para o Jubileu do Bom Jesus de Matosinhos, em 1947, e de famílias em momentos de oração.

 

Leia também: Marcel Gautherot e sua relação com o Brasil

 


Descrito por Carlos Drummond de Andrade como “um dos mais notáveis documentadores da vida nacional” e por Lucio Costa como “o mais artista” dos fotógrafos, Gautherot mostra seu olhar sensível ao registrar a expressão de fé, esperança e contrição de famílias inteiras.

 


Ópera inédita

 

 

Além da exposição, a FCS está preparando ópera inédita ambientada em Congonhas, que tem como argumento a influência da fé na vida das pessoas. “Devoção”, que contará com participação da Orquestra Sinfônica, Coral Lírico de Minas Gerais, Cia. de Dança Palácio das Artes e solistas convidados, tem música composta por João Guilherme Ripper e libreto de André Cardoso.

 


A pré-estreia está marcada para 13 de julho, com entrada franca, no adro do Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas. Depois, será montada no Grande Teatro Cemig Palácio das Artes entre os dias 19 e 23 do mesmo mês. Os ingressos para as apresentações na capital mineira já estão à venda.

 


A ópera, em dois atos, conta a história da igreja de Congonhas. De acordo com documentos da Arquidiocese de Mariana, da qual o templo faz parte, a estrutura do santuário foi construída por recomendação do minerador português Feliciano Mendes, em 1757.

 

Reza a lenda que, ao ser curado de uma enfermidade, Feliciano foi inspirado por Deus a levantar uma cruz e um pequeno oratório no local onde hoje está o santuário para que todos que passassem por ali pudessem parar para rezar.

 

O português resolveu doar toda sua fortuna para fazer algo mais grandioso. Optou por uma suntuosa igreja de características barrocas que guardasse algumas semelhanças com a Igreja de São João de Latrão, em Roma.

 

Entre as construções de Roma e de Congonhas, no entanto, a única semelhança são as estátuas dos profetas na fachada.

 

A construção do santuário só foi totalmente concluída em 1790, quase 25 anos depois da morte de Feliciano Mendes.

 

 

“DEVOÇÃO – MAS TRAZEMOS FLORES, PRENDAS E REZAS”


Mostra coletiva dos fotógrafos Carol Lacerda, Isabela Senatore, Marco Tulio Resende, Miguel Aun e Marcel Gautherot. Na CâmeraSete – Casa da Fotografia de Minas Gerais (Av. Afonso Pena, 737, Centro). Desta quarta-feira (19/6) até 14 de setembro. Aberta de terça a sexta-feira, das 9h30 às 21h; sábado, das 9h às 21h. Entrada gratuita. Informações: (31) 3236-7400.

 


ÓPERA “DEVOÇÃO”


Montagem inédita da Fundação Clóvis Salgado. Dias 19, 20, 22 e 23 de julho, às 20h, no Grande Teatro Cemig Palácio das Artes (Avenida Afonso Pena, 1.537 – Centro). Ingressos à venda por R$ 50 (inteira, 1º lote) e R$ 60 (inteira, 2º lote), na bilheteria do teatro ou pelo Eventim. Meia-entrada na forma da lei. Informações: (31) 3236-7400.

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