Por Bruno Ghetti

 

Em 2014, um homem de 89 anos causou comoção no Reino Unido. Bernie Jordan escapuliu às escondidas do centro para idosos onde vivia para conferir as celebrações dos 70 anos do Dia D, na Normandia. Afinal, ele tinha sido um dos soldados que participaram da batalha que é tida por muitos como o início da derrocada nazista na Segunda Guerra Mundial.

 

O velhote deu um jeito de atravessar o Canal da Mancha e chegou – são e salvo – ao local da festa. Mas ficou tempo demais sem dar notícias, tornando-se alvo de preocupação generalizada em seu país e estampando manchetes de vários jornais.





 

A verdade é que a breve escapada não foi lá algo tão espetacular e nem sequer arriscada, até porque Bernie estava muito bem em termos físicos e mentais. Mas o evento tornou o veterano uma figura querida entre os britânicos a partir de então. Natural que virasse, cedo ou tarde, tema de filme.

 

E foi Bernie o escolhido por Michael Caine, de 91 anos, para ser seu último personagem antes de se aposentar do cinema. “A grande fuga”, dirigido por Oliver Parker, marcaria também a derradeira aparição nas telas de sua companheira de cena, Glenda Jackson, que morreu no ano passado, aos 87. Ela interpreta Irene, a mulher de Bernie.

 

 

Não é pouca coisa para um só filme trazer os momentos artísticos finais de dois gigantes como Caine e Jackson – felizmente, o longa os apresenta dignamente, pois a velhice é um dos temas mais difíceis de retratar em um filme.

 

Se a decrepitude é mostrada de maneira por demais condescendente, floreada, não é fiel ao que acontece no fim de uma vida, pois não se pode negar a decadência física, a redução das possibilidades de prazer, a morte à espreita. Por outro lado, ressaltar unicamente esses aspectos negativos pode resultar em abordagem por demais desrespeitosa a uma longa trajetória, além de sensacionalista. E até desumana.

 

“A grande fuga” é muito mais propenso a edulcorar a velhice do que tratá-la de forma muito crua ou exploratória, mas há um momento em que o longa tangencia esse outro lado mais duro.

 

“As pessoas sempre querem um final feliz, mas nunca há escapatória”, diz Bernie a certo ponto. É uma cena triste, como não poderia deixar de ser, mas aborda a finitude de maneira simples e elegante.

 

 

 

 

É uma pena que, como um todo, o filme não seja grande coisa. Fica claro desde o início que a fuga de Bernie não era aventureira o suficiente para render um longa de mais de 90 minutos. Então, é claro que houve laborioso esforço por parte do roteiro para rechear a estrutura inicial, mas nada de muito convincente sai dali.

 

Os trechos em flashback são especialmente ruins, sobretudo as cenas de batalha. Talvez o filme tenha padecido de restrições orçamentárias, mas não há falta de verba que justifique lentes castanhas para a atriz de olhos azuis que interpreta a personagem de Jackson nos anos 1940.

 

É imperdoável, porque o filme é, sobretudo, homenagem aos dois astros veteranos. Entre as características mais marcantes da jovem Glenda Jackson estava o seu rosto tão peculiar, o olhar felino escuro e o nariz insolente, que a tornavam sempre uma presença dominadora, agressiva. Essa ferocidade em cena exigia muito de quem contracenava com ela, sob o risco de acabar eclipsado.

 

Curiosamente, em sua despedida Glenda surge doce, suave, com uma serenidade de quem não precisa mais vociferar para ter seu lugar no mundo. É como se ela soubesse que estava, ali, dando adeus à carreira – com tranquilidade e sem pesar.


Sob controle

 

 

Michael Caine, por outro lado, surge mais melancólico. É como se reagisse a seu último papel de maneira quase oposta à de Jackson. Parece sofrer a cada cena, ciente de que está tudo prestes a acabar.

 

Ainda assim, Caine mantém o controle sobre o personagem, que pertence à tradição dos tipos que são especialidade do ator, levemente cômicos, afeitos à autoironia, de civilidade fundamentalmente britânica.

 

São duas performances muito tocantes. Se o filme como um todo não está à altura do que de melhor cada um já fez, ao menos o trabalho da dupla é irretocável. É uma honrosa saída de cena.


“A GRANDE FUGA”


Reino Unido, 2023. Direção de Oliver Parker. Com Michael Caine, Glenda Jackson, Graeme Dalling e Myles Olofin. Sala 1 do Centro Cultural Unimed-BH Minas, às 16h (exceto em 3/7). Ponteio 2, às 16h50. Ponteio 3, às 21h15.

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