Compacto de Altino Soares da Silva foi lançado pela também desconhecida gravadora Disco Som, fundada em 1977 -  (crédito: Reprodução)

Compacto de Altino Soares da Silva foi lançado pela também desconhecida gravadora Disco Som, fundada em 1977

crédito: Reprodução

Discos voadores existem. A frase, entoada em ritmo de samba pelo pintor de paredes, chamou a atenção da dona do apartamento no Rio de Janeiro. Era 1989. O prestador de serviço, o pernambucano Altino Soares da Silva, carregava a tiracolo algumas tiragens do compacto com duas canções de sua autoria.

 

 

Intitulado “Discos voadores dos mundos siderais”, o pequeno vinil trazia na contracapa uma ilustração, em traços quase infantis, de três humanoides na frente de um veículo interestelar, acompanhado da seguinte descrição: “Relato interplanetário de uma viagem a outro planeta com Altino Soares da Silva e dois estraterrenos. Pilotando em uma nave que eles deram o nome de discos voadores (sic).”

 

 

Três décadas depois, o estranho samba dos discos voadores aterrissou nos ouvidos do maranhense Bruno Azevêdo. “Me perguntei se aquilo era sério. Quem teve o trabalho de entrar em um estúdio para gravar isso? Comecei a investigar”, conta ao Estado de Minas o historiador e pesquisador musical.

 

 

Sem informações além da capa e da música, únicos dados postados na internet sobre Altino Soares da Silva, Azevêdo iniciou a busca obsessiva pelo cantor pernambucano radicado no Rio e pela gravadora, a também desconhecida Disco Som Promoções Artísticas. A investigação virou um livro, que está nos finalmentes, e agora chega à etapa final – a estreia de Altino Soares da Silva nas plataformas de streaming, marcada para esta sexta-feira (5/7).

 

 

O lançamento está a cargo da própria editora de Azevêdo, a Pitomba!. Além da faixa-título do compacto, cuja gravação já havia sido compartilhada de forma solta por perfis do YouTube ligados à música underground, estará também disponível o lado B do disco, a canção “Maria Cecília”, até então inédita digitalmente.

 

 

O objetivo do lançamento, explica Azevêdo, é tentar encontrar familiares ou conhecidos do sambista, desaparecido na década de 1990. “Espero que pessoas que tenham informações sobre ele me contatem. Estou jogando garrafas ao mar, quero ver se alguém pega.”

 

Contracapa do disco trazia desenho e relato de experiência vivida pelo ex-pintor de paredes

Contracapa do disco trazia desenho e relato de experiência vivida pelo ex-pintor de paredes

Reprodução

 

Relato de uma abdução

 

A faixa-título do compacto é um samba “torto”, como o próprio Azevêdo define. “Discos voadores existem/ São aparelhos a jato e possantes/ Eles pesquisam a Terra/ São de outros planetas distantes/ Até o ano 2000/ Eles se identificarão”, canta o sambista, quase em transe, acompanhado por coral feminino e a banda Os Populares, remanescente da Jovem Guarda. Não há registros da data exata da prensagem, mas, segundo o pesquisador, foi o nono lançamento da Disco Som, criada em 1977.

 

Ouça aqui "Discos voadores dos mundos siderais":


 

 

Nesta saga, Bruno Azevêdo encontrou mais 18 canções registradas por Altino no Arquivo Nacional e não gravadas. Do total de 20 títulos, incluindo as duas lançadas no compacto, 13 versam sobre o espaço sideral. A curiosidade do pesquisador foi tamanha que esse maranhense, que vive em São Luiz, contratou um serviço jurídico no Rio de Janeiro para tentar localizar Altino.

  

 

Desencavou um processo trabalhista e descobriu que o compositor tinha CPF dado como “cancelado”. O atestado de óbito, no entanto, nunca foi encontrado. Nascido em 1928, o pernambucano tem 96 anos se estiver vivo.

 

 

O historiador lembra que OVNIs não são raros na MPB – Rita Lee, Caetano Veloso e Zé Ramalho abordaram o tema, mas sempre como figura de linguagem para falar de restrição de liberdade, ditadura militar e exílio. Mas Altino é diferente. “Ele é o único cara que conheço que faz música sobre disco voador para falar sobre disco voador. Não é metáfora”, resume Azevêdo.

 

Ouça aqui "Maria Cecília":

 

 

 

Jô Soares

A confirmação de que o relato da abdução alienígena era “real” – pelo menos na cabeça de Altino – veio de uma das principais fontes da investigação, o carioca Ronaldo Di Paula. Em 1991, ele foi convidado para se apresentar no “Jô Soares onze e meia”, atração do SBT/Alterosa, com a banda Os Copacabanas, uma das representantes da cena humorística e do brega que surgia no Rio naquela época.

 

 

Vocalista e fundador do grupo, Di Pádua era justamente o jovem que recebera de uma colega de trabalho o disco do excêntrico pintor de paredes. Ficou alucinado com o que ouviu e resolveu fundar a banda.
Na entrevista, Di Pádua levou o compacto e mostrou ao apresentador. Instigado pela capa, Jô convidou Altino para participar do programa, mas o sambista nunca deu resposta.

 

 

Veja o vídeo do momento em que Jô Soares convida Altino:

 

 

 

Di Pádua chegou a se encontrar com o ex-pintor uma só vez. Na conversa, o pernambucano confirmou que a descrição na contracapa do disco não continha ironias. E desapareceu.

 

 

Agora no streaming, acompanhar a intrigante viagem intergaláctica de Altino está não apenas mais fácil, como também acessível. Afinal, o único exemplar do vinil de “Discos voadores...” disponível para venda na plataforma Discogs custa estratosféricos R$ 12 mil. Nesta sexta-feira (5/7), a nave finalmente aterrissa no mundo digital, 40 anos depois de surgir no espaço analógico.


[Nota da edição: a matéria dizia anteriormente que as músicas de Altino Soares da Silva chegariam ao streaming na quinta-feira (4/7), mas por um desencontro de informações a data foi corrigida para esta sexta]


“DISCOS VOADORES DOS MUNDOS SIDERAIS”
. De Altino Soares da Silva
. Duas faixas
. Pitomba!
. Lançamento na sexta-feira (5/7) nas plataformas digitais