Aguinaldo Silva diz que é um erro achar que remake vai repetir o sucesso da novela original. Por isso é contra

Aguinaldo Silva diz que é um erro achar que remake vai repetir o sucesso da novela original. Por isso é contra "Vale tudo" 2

crédito: Renato Rocha Miranda/divulgação

 

Aos 81 anos, Aguinaldo Silva – autor das novelas  “Senhora do destino”, “Roque Santeiro” e “Império” – lança o livro de memórias “Meu passado me perdoa” (Todavia), no qual conta a história de sua própria vida.

 

Conhecido como o teledramaturgo que só escreveu para o horário nobre da Globo, o pernambucano de Carpina é muito mais que o autor que fez história na TV brasileira. Jornalista combativo, criou o Lampião, primeiro jornal gay brasileiro. Fez carreira na imprensa nacional, deixou sua marca registrada na crônica policial e lançou romances.

 

Nesta entrevista, Aguinaldo fala de sua extensa trajetória, explica por que não apoia o remake de “Vale tudo” e diz que o grande momento das novelas já passou, pois, de acordo com ele, os folhetins atuais são desconectados da realidade.

 

“Pessoas novas, por mais talentosas que sejam, não têm como quebrar o modelo da novela, que é feita em cima da vida. É melodrama”, diz. Mas admite: teria prazer em  voltar à lida. “Fiquei meio viciado.”

 

 




Mesmo com quase 20 livros publicados, você é pouco lido. “Meu passado me perdoa” também vem da vontade de ser lido?


Sim. Você leva dois anos entre escrever e ressuscitar, porque quando a novela acaba, você está morto. Com isso, não tive mais tempo de me dedicar à literatura, a coisa que eu gostava realmente de fazer. Deixei de fazer parte da confraria dos autores, pois novela é uma coisa à parte. Quando me vi livre das novelas, e isso coincidiu com a pandemia, pensei em voltar a escrever. Foi daí que surgiu a ideia de escrever minhas memórias, porque a minha vida foi bastante movimentada, complicada, rica. Foi meio que um treino para voltar a ser autor de livros.

 

O leitor vai perceber a diferença de estilo entre as três partes do livro. Como você trabalhou com a memória na escrita?

Tinha alguns textos esparsos publicados. Fui muito precoce, né? Tinha textos sobre as pessoas que conheci na primeira fase da vida, pessoas que me marcaram profundamente. Tinha publicado também alguma coisa no Facebook. Então, quando estava totalmente isolado em casa por causa da pandemia, comecei a reler esses textos. Quando você tem 80 anos, as lembranças de seus 10, 12, 15 anos não são realistas. Foi quando percebi que usaria esse tom. As histórias são produto de lembranças muito remotas que me vêm assim, então é dessa maneira que devo mantê-las. Por isso a primeira parte do livro é quase fantástica. A segunda, que trata da época do jornalismo, é mais realista e a terceira é documental, pois aquilo aconteceu ontem, me lembro de tudo.


Suas novelas não teriam sido como foram não fosse a sua vida, é o que suas memórias deixam claro.

O grande momento da novela – momento que já acabou – foi na época em que elas eram escritas por pessoas que tiveram uma vida muito rica, que estiveram nas ruas, que atuaram politicamente. Não inventavam histórias. Elas iam aos arquivos delas e coletavam histórias que viveram ou que os outros contaram. Hoje em dia, a coisa já não é mais assim, porque os jovens autores não têm essa vivência. Isso acontece por várias razões, não é um problema deles. As pessoas vivem muito sob proteção porque o mundo ficou violento, as pessoas se trancaram e as relações se tornaram mais complicadas. Acho que pessoas novas, por mais talentosas que sejam, não têm como quebrar o modelo da novela, que é feita em cima da vida. É melodrama. Então, elas sentem uma dificuldade que nós não tivemos, porque vivemos numa época diferente.


Você sempre foi muito ativo nas redes sociais e sempre falou o que quis. É exaustivo sofrer vigilância constante?

Muito, porque geralmente quando você fala uma coisa, as pessoas a adaptam de acordo com o que querem que você fale. Percebi agora que todas as postagens sobre o livro tem um destes verbos: esculacha, detona, alfineta, destrói. Isso é muito limitante. Se eu disse que não gosto de abóbora, fatalmente alguém vai dizer que destruí ou detonei a abóbora. A linguagem está ficando muito pobre e as pessoas não passam da superficialidade porque o que querem é cliques. Gosto da interação com as pessoas que me leem, mas não gosto desse empobrecimento crescente da linguagem.


Como vê a produção nacional na era do streaming?

Acho que o Brasil não está produzindo como deveria. O país é uma máquina de produzir audiovisual, isto a gente sabe, e acho que temos produzido muito pouco, e não é por falta de texto. O streaming tem burocracia muito restritiva, é complicado você entrar. Quando você consegue, vai ser para uma coisa que vai ser feita daqui a três anos, e aí muda o executivo, que já não gostou da sua ideia e pede outra. Não é um sistema profissional, e acho que por isso o Brasil não produz as séries que tem capacidade para produzir. Enquanto isso, as novelas continuam sendo produzidas, pois existe a necessidade de botar uma novela no lugar da outra.

 

Marjorie Estiano como a personagem doutora Carolina da série Sob Pressão

Marjorie Estiano interpreta a doutora Carolina na série "Sob pressão", que Aguinaldo Silva considera um dos melhores produtos da emissora

Victor Polack/Globo



O que você viu recentemente e gostou?

Gostei muito de “Sob pressão”, com a Marjorie Estiano. O Brasil produz coisas dessa qualidade. Quando falo de Brasil, estou falando da Rede Globo, que tem mais capacidade de produção, estúdios, tudo. Sobre as outras coisas, acho que há uma tendência grande para a lacração, o que acaba empobrecendo um pouco a ficção. Quando você diz ‘agora vou falar sobre o problema dos moradores de rua’, você está falando do ser humano. Então, tem que ir para o lado do ser humano e não da condição dele. Acho que há uma tendência em empobrecer o drama humano e fortalecer o drama político. Ele é também importante, mas pode-se chegar ao drama político sem sair do humano, haja vista grandes autores como Gorki e Brecht, que fizeram isso e muito bem.


Já apresentou projetos para o streaming?

Apresentei várias coisas desde que fiquei liberado do contrato com a Globo. Sempre recebi não, dizendo que ‘não era o momento’. Fico pensando: ‘Cara, escrevi 16 novelas no horário nobre para um público de 40 milhões de pessoas’. E esse 'não' geralmente veio de uma pessoa muito jovem, que poderia ser meu neto.


Agora só se fala sobre o remake de “Vale tudo”; você já disse ser contra. Poderia falar sobre isso?

Acho que a novela (de maneira geral) funciona naquela hora. É um erro você achar que o autor é o dono. Não, a novela tem autor, diretor, produtor, elenco. Quando tudo isso combina, ela funciona. Não é porque funcionou daquela vez que vai funcionar se você fizer de novo, porque são outras pessoas. Em minha opinião, a maior novela de todos os tempos é “Pecado capital”, da Janete Clair. Mas a primeira versão (de 1975/76, não a de 1998/99, assinada por Glória Perez). Tanto que Hollywood nunca cometeu o pecado de fazer de novo “...E o vento levou”. Não que remake vá ser um fracasso, mas a sensação que provocou em sua época certamente não vai provocar agora.

 

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Tem vontade de escrever uma nova novela?

Sim, porque fiquei meio viciado. Poderia fazer ainda pelo menos duas novelas pelo meu prazer pessoal. Não sei se seria para o público, mas para mim seria um prazer.