Em 1968, Dininha é carregada pelas companheiras após a vitória do Vespasiano sobre o Oficina -  (crédito: Arquivo EM)

Em 1968, Dininha é carregada pelas companheiras após a vitória do Vespasiano sobre o Oficina

crédito: Arquivo EM

 

 

Em 1968, o Grupo Escolar Padre José Senabre, em Vespasiano, na Grande BH, precisou reconstruir seu muro de arrimo. Um bingo e um bazar foram organizados pelas professoras, mas os recursos se mostraram insuficientes. Um jogo de futebol reuniria mais gente, não? Mas a partida seria só com garotas. Em uma única tarde os dois times foram criados.

 


Só três das convocadas já tinham batido bola. De uma família de produtores rurais, a mais jovem do grupo, Dininha, tinha experiência, a despeito de seus 12 anos. Jogava futebol com os garotos no campinho nos fundos de casa. Tanto que foi ela a autora do gol que, em julho de 1968, garantiu a vitória do seu time, o Vespasiano, contra o Oficina, no campo do Independente.

 


Dininha, apelido de Edina de Aguiar Malta, é a garota de cabelos curtos carregada pelas colegas na fotografia que estampa esta reportagem. Numa tarde de domingo, 56 anos atrás, ela fez história. A imagem, registrada pelo Estado de Minas, foi replicada pelo jornal ao longo dos anos. E agora chega ao museu.

 

 

O Museu do Futebol, no Estádio do Pacaembu, em São Paulo, será reaberto ao público nesta sexta-feira (12/7). Quando foi inaugurada, em 2008, a instituição não apresentava a história do futebol feminino no país. Houve algumas intervenções alguns anos atrás, mas a lacuna só foi sanada agora, após grande renovação.

 


A fotografia de Dininha, ao lado de outras quatro imagens de época também do EM, integra uma instalação na chamada Sala das Copas.

 

“Este espaço, que conta a história das Copas do Mundo, não tinha as femininas (o Mundial feminino foi criado em 1991). A instalação mostra a trajetória de resistência das mulheres, que nunca pararam de jogar bola”, explica Marília Bonas, curadora e diretora técnica do Museu do Futebol.

 

Aqui, um parêntesis. Durante o Estado Novo (1937-1945), o presidente Getúlio Vargas publicou decreto em abril de 1941, proibindo as mulheres de praticarem desportos “incompatíveis com sua natureza”. “Mesmo proibidas, elas continuaram jogando. Criaram estratégias”, continua Marília.

 

 Em 1959, no Independência, as jogadoras do Araguari Atlético Clube: Mirna veste a camisa do Coelho e Marielza, do Galo

Em 1959, no Independência, as jogadoras do Araguari Atlético Clube: Mirna veste a camisa do Coelho e Marielza, do Galo

Arquivo EM

 


O futebol feminino era praticado em partidas beneficentes, caso da citada disputa em Vespasiano. E olha que no período, em plena ditadura militar (1964-1985), o jogo para elas estava ainda mais duro. Em 1965, o Conselho Nacional dos Desportos (CND) estabeleceu como práticas não permitidas às mulheres “lutas de qualquer natureza, futebol, futebol de salão, futebol de praia, polo aquático, polo, rugby, halterofilismo e baseball”.

 

O conjunto de fotos do EM que passa a integrar o Museu do Futebol reúne também imagens de jogadoras do Araguari Atlético Clube, criado na cidade do Triângulo Mineiro. Em 1959, elas desembarcaram em Belo Horizonte, vestiram camisas do América e do Atlético para um jogo no Independência, durante a 6ª Festa dos Melhores, promovida pelo extinto Diário da Tarde. O Galo venceu o Coelho, vale dizer, por 2 a 1.

 

“Muitas das imagens que estamos trabalhando são de jornais, em baixa resolução, ou das próprias pioneiras. Já o conjunto do EM tem protagonismo porque as imagens são altíssima qualidade”, afirma Marília. Somente em 1983, durante a abertura política, as mulheres puderam jogar futebol de forma competitiva no Brasil.

 

A renovação do Museu do Futebol, coordenada pelos curadores Leonel Kaz, Marcelo Duarte e Marília Bonas, teve direção artística e projeto expográfico de Daniela Thomas e Felipe Tassara. Abrange o licenciamento de cerca de 1,5 mil imagens, 136 novos textos e mais de 60 vídeos.

 

“Nossa intenção não foi só contar a história, mas equalizar a representação de homens e mulheres no esporte”, explica Marília Bonas. “O futebol passa a ser compreendido como um elemento importante da identidade brasileira, ao lado da música e da literatura.”

 


    Instalação da Sala das Copas do Museu do Futebol destaca, ao alto, fotos históricas de jogadoras mineiras feitas pelo Estado de Minas

Instalação da Sala das Copas do Museu do Futebol destaca, ao alto, fotos históricas de jogadoras mineiras feitas pelo Estado de Minas

Museu do Futebol/Divulgação

 

 

Uma das novidades, a Sala Raízes, por exemplo, mostra a trajetória histórica também por meio do filme assinado por Carlos Nader.

 


“É um museu do futebol do Brasil, então não é vinculado a times. Trabalhamos com a ideia do futebol enquanto patrimônio imaterial. Não colecionamos camisas ou troféus, ainda que tenhamos objetos que contam a história”, diz Marília.

 

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Pelé já tinha a sala com seu nome. Na renovação, o espaço ganhou mais peso, explorando a relação do “Rei” com outros jogadores. É ele quem dá as boas-vindas ao visitante. E é outra camisa 10 da Seleção Brasileira que se despede do público. No novo museu, este papel só poderia caber a uma pessoa: Marta.

 

Portas abertas

 

O projeto de renovação do Museu do Futebol teve início há dois anos. Durante este período, a instituição permaneceu aberta ao público. Em novembro de 2023, com o início das obras, teve funcionamento parcial. Fechou as portas apenas no mês passado, para que a nova expografia fosse montada. Desde a inauguração, em setembro de 2008, foi visitado por 4,7 milhões de visitantes.

 

MUSEU DO FUTEBOL


Praça Charles Miller, s/nº, Estádio do Pacaembu, São Paulo. Abertura nesta sexta (12/7), às 9h, com entrada franca até domingo (14/7). Funcionamento de terça a domingo, das 9h às 18h. Ingressos: R$ 24 e R$ 12 (meia). Entrada franca às terças. Informações: museudofutebol.org.br