Hilda Valentim, a Hilda Furacão, no asilo em Buenos Aires onde foi encontrada pelo Estado de Minas em julho de 2014 -  (crédito: Ivan Drummond/EM/D.A Press)

Hilda Valentim, a Hilda Furacão, no asilo em Buenos Aires onde foi encontrada pelo Estado de Minas em julho de 2014

crédito: Ivan Drummond/EM/D.A Press

 

 

E lá se vão 10 anos. Não, não é a história da maior derrota da Seleção Brasileira, os 7 a 1 para a Alemanha, no Mineirão. Enquanto a Copa do Mundo de 2014 chamava a atenção do país, uma outra história se desenrolava em Belo Horizonte: a descoberta de onde estava Hilda Maia Valentim, que não é outra senão Hilda Furacão, a personagem do livro de Roberto Drummond que virou minissérie de sucesso da Globo em 1998.

 


A reportagem sobre Hilda Valentim foi publicada no Estado de Minas entre os dias 27 e 31 de julho de 2014. Mas ficou faltando uma parte desta história: onde está a herança de Hilda Furacão? O que é real nesta herança?

 

 

 


Tudo começou em 2003, quando recebi de um jornalista, amigo de meu pai, a fotografia do jogador Paulo Valentim com a esposa, Hilda. Estavam no apartamento deles. Fiz reportagem falando do antigo craque, já falecido. Mas por onde andava Hilda Furacão?

 

 

Hilda Furacão e Paulo Valentim

Hilda, a moça que trabalhou na zona boêmia de BH, e Paulo Valentim, craque do futebol brasileiro

Acervo pessoal



Vasculhei os passos de Valentim a partir do momento em que deixara o Boca Juniors, depois de se tornar ídolo do Atlético e do Botafogo, além da Seleção Brasileira. Era um mistério o que ocorrera com ele. Sabia-se que foi para o México jogar no Atlante.

 


Lá, ninguém dava notícia de Paulo Valentim, de sua mulher e do filho Ulisses. A única informação era de que a passagem dele pelo México não dera certo. Retornou à Argentina para defender o Argentino de Quilmes, seu último time.

 


Daí em diante, mistério. Havia a história de que Paulo Valentim retornara ao México e trabalhava como estivador num porto. Isso nunca se confirmou. Pois ele foi encontrado pelo Boca Juniors, que decidiu ajudá-lo. Tornou-se técnico da base do clube.

 


Na entrada principal do estádio do Boca, La Bombonera, há 19 estrelas correspondentes a ídolos do clube – uma delas é de Paulo Valentim. A torcida tinha até canto para ele: “Tim, tim, tim, é gol de Valentim”.

 


Era manhã de quinta-feira, a Copa de 2014 começaria no domingo seguinte. O Uruguai fazia sua preparação em Sete Lagoas. Eu estava na cobertura. Quando deixei o hotel com destino à Arena do Jacaré, o telefone toca. É o jornalista Washington Melo, que trabalhou com meu pai, Felippe Drummond.

 

“Amiga minha, do Rio, me pediu seu telefone. Não quis dizer para quê, embora eu tenha perguntado. Posso passar?”, indagou Washington.

 


No dia seguinte, me liga a brasileira Marisa Barcelos, assistente social do Hogar de Ancianos Guillermo Rawson, que fica no bairro de Barracas, em Buenos Aires. Ela pergunta. “Foi você quem fez matéria sobre Hilda Furacão e Paulo Valentim, em 2003?”

 


A resposta é afirmativa. “Só queria te dizer que ela está aqui, no asilo em que trabalho. Se quiser, pode vir aqui”, convidou.

 

Estrela dedicada a Paulo Valentim na entrada do estádio La Bombonera, em Buenos Aires

Estrela dedicada a Paulo Valentim na entrada do estádio La Bombonera, em Buenos Aires

Ivan Drummond/EM/D.A Press

 


Pronto. Era o que buscava: encontrar Hilda Furacão. Ter toda a história de vida deles. Muita coisa eu já sabia. Terminada a Copa do Mundo, lá vou eu para Buenos Aires.

 

Emoção em Buenos Aires

 

No Hogar de Ancianos Guillermo Rawson, conheço Marisa Barcelos. Dali a pouco, estou frente a frente com Hilda. Emoção pura. Uma personagem da história, do jornalismo, da vida de Belo Horizonte. Protagonista do best-seller de Roberto Drummond.

 

Estou com Hilda, me baseio no livro para conversar com ela. Quase nada do romance era real. Por exemplo, ela nunca esteve no Minas Tênis Clube. Não era da alta sociedade de BH. Foi tudo criação, genial, de Roberto Drummond.

 

Leia também: Caminhada seguiu os passos de Hilda Furacão em BH

 

Francisco Lallane, torcedor do Boca Juniors, canta para Hilda a música da torcida dedicada a Paulo Valentim. Vai até ela, beija-lhe a mão.

 


Na cabeça de Hilda, só existia Paulo Valentim. “Com ele, conheci 25 países. Paulo é a minha vida”, não se cansa de repetir. Conta que ele teria lhe deixado um baú com joias e dinheiro. Isso estaria com uma mulher, que exigia dinheiro para devolvê-lo.

 

Foto no dia do casamento de Paulo Valentim e Hilda Valentim, a Hilda Furacão. O casal está com amigos e familiares

Foto no dia do casamento de Paulo e Hilda (ao centro). João Saldanha, futuro técnico da Seleção, está no alto, à direita

Acervo pessoal

 


Mas isso não é real. Faz parte do imaginário daquela mulher de 83 anos, que começava a sofrer de Alzheimer. Estava sozinha num asilo em Buenos Aires, administrado pela prefeitura da cidade. Esta era a vida de Hilda.

 


Ela se lembra da Belo Horizonte de sua época. Fala da zona boêmia, onde trabalhava. Disse que era faxineira, limpava quartos. Falava também da Praça Sete, da Igreja de São José, do hotel Brasil Palace. Não perdia missa aos domingos. No campo do Atlético, em Lourdes, assistia ao amor de sua vida, Paulo Valentim, jogar.


A herança



Hilda morreu em dezembro de 2014, seis meses depois de o Estado de Minas encontrá-la. Mas e seu baú com joias e dinheiro?

 


Tudo ficou com a companheira de seu filho, Ulisses, que morreu cedo, vítima de diabetes. Era a terceira grande perda de Hilda. Depois do nascimento de Ulisses, o segundo filho morreu de mal súbito, ainda bebê.

 

Atriz Ana Paula Arósio filma no Parque Municipal de BH cena da minissérie "Hilda Furacão"

Atriz Ana Paula Arósio filma, no Parque Municipal de BH, cena da minissérie "Hilda Furacão"

Françoise Imbroisi/EM/28/1/98

 


Em 1984, Paulo Valentim faleceu em decorrência de problemas cardíacos. Bebia muito. Ulisses se fora pouco antes de o EM encontrar sua mãe.

 


Hilda Furacão não tinha mais ninguém. Perdera o contato com a família desde que se mudara do Recife para a capital mineira. Nada sabia sobre o pai, José, a mãe, Joana, e os quatro irmãos. Além disso, não se dava com a família de Paulo Valentim. Acusava os cunhados e o irmão do marido de consumirem o dinheiro do craque.

 


Antes de ser internada no Hogar de Ancianos Guillermo Rawson, ficou sob cuidados da nora Teresa Alvez Rodriguez. Isso ocorreu após a morte de Ulisses.

 


“Eu a levei para minha casa. Tinha um quarto só dela”, contou Teresa. Certo dia, ao chegar em casa, encontrou a sogra caída numa poça de sangue. “Ela tinha batido a cabeça. No hospital, foi feito curativo e ela foi examinada. Como não apresentava quadro grave, retornamos para casa.”

 


Mas houve nova queda. “Estava preocupada. Tinha pouco dinheiro, não podia largar o trabalho para ficar com ela”, disse Teresa.

 

Depois de outra queda, Hilda foi internada por uma semana no Hospital Cosme Argerich. “Ela não poderia mais ficar lá. Foi quando surgiu o Hogar, que a acolheu”, lembrou Teresa. Hilda foi apenas com os pertences pessoais para o asilo.

 

Teresa sempre soube da história do baú, ou baús, pois Hilda dizia que eram dois. “Ela contava a história da mulher que tinha pego esses baús com dinheiro e joias. Mas isso nunca existiu”, garantiu a nora.



O tesouro



No quarto de Hilda, havia realmente um baú. Teresa resolveu abri-lo. Não havia joias nem dinheiro. “Lá dentro, só recordações de Paulo Valentim, que não conheci”, disse a viúva de Ulisses.

 

Havia quadros de homenagem do Boca Juniors a Paulo Valentim, fotos dele com ela no Boca, da família em Barra do Piraí, terra natal de Valentim, onde se casaram. Também recortes de jornais e revistas falando dele.

 


Para Teresa, aquele era o tesouro que Hilda Furacão fez questão de guardar. “Está comigo, aqui em casa. Vai ficar comigo, com meus filhos, que respeitam o Ulisses, meu companheiro. Não tem mais ninguém, que eu saiba, a quem possa entregar. Vai ficar guardado comigo”, afirmou  Teresa Alvez Rodriguez.

 

Vá ao encontro de Hilda

 

A Geração Editorial está lançando a 21ª edição do livro “Hilda Furacão”, de Roberto Drummond, com direito a brinde: um batom vermelho como o da personagem do romance.

 

Com 32 episódios, a minissérie assinada por Gloria Perez, estrelada por Ana Paula Arósio, Rodrigo Santoro, Danton Mello, Matheus Nachtergaele e Paulo Autran, está disponível na plataforma Globoplay.  




Hilda Valentim no asilo Hogar de Ancianos Guillermo Rawson, em Buenos Aires, com a reportagem sobre ela publicada no Estado de Minas

Hilda Valentim no asilo Hogar de Ancianos Guillermo Rawson, em Buenos Aires, com a reportagem sobre ela publicada no Estado de Minas

Ramon Lisboa/EM/D.A Press/10/2014