Se há uma característica marcante de Odair José, de 75 anos, é a independência. Em 54 anos de carreira, esse goiano de Morrinhos fez tudo da maneira que quis, inclusive quando dominava as paradas na década de 1970, em gravadoras como CBS e Philips.
As letras de Odair José sempre trataram de temas polêmicos, como o amor pelas "damas da noite", na canção "Eu vou tirar você desse lugar", de 1972, ou o uso da pílula anticoncepcional, como em "Uma vida só". Em 1977, ele lançou a ópera-rock "O filho de José e Maria", em que criava o personagem de um Jesus Cristo contemporâneo e discutia dogmas religiosos. O LP foi um fracasso de público e crítica, marcando o fim de um período de sete anos em que o compositor foi campeão de vendas, desde a estreia em disco com o LP "Odair", de 1970.
"Eu sentia que minhas letras incomodavam muita gente", diz o compositor. "E isso me motivava a questionar mais, a continuar fazendo um trabalho que fizesse o público pensar. No início da minha carreira, eu conversava muito com Raulzito (Raul Seixas), e a gente sempre falava sobre o papel do compositor. Ele dizia que a gente tinha que questionar tudo sempre. Eu adorava bater papo com ele."
A ousadia custou caro a Odair. Ele foi tachado de "brega" e "cafona". Na letra de "Arrombou a festa", Rita Lee e Paulo Coelho o apelidaram de "terror das empregadas", por causa da canção "Deixa essa vergonha de lado", em que contava a história da moça que não queria revelar ao namorado que era empregada doméstica.
Mas agora, ao lançar o LP "Os seres humanos e a inteligência artificial", esses rótulos foram esquecidos. Sua obra se mostrou muito mais forte e duradoura do que as piadas sobre ela. No dia da entrevista, Odair José se preparava para um show no Ceará, com ingressos esgotados.
Tecnologia real
O novo disco promete causar polêmica por tratar da inteligência artificial, um assunto que promove discussões acaloradas. Diferentemente de outros artistas, Odair José não vê a IA como inimiga da criatividade.
De olho em nova geração de ouvintes, o artista acredita que a nova tecnologia não deve ser ignorada pelos músicos e que a ferramenta pode ser aliada do artista.
"Não adianta fugir do assunto. A IA está aí e não vai embora", diz ele. "É melhor que a gente discuta como ela pode ser usada do que simplesmente a ignorar."
No disco, o compositor e o filho, o produtor e instrumentista Júnior Freitas, usaram IA em várias canções, por sugestão de Freitas. "Nós gravamos tudo. A princípio, eu fiquei relutante. Há sempre aquela questão da tecnologia substituindo a arte, mas depois percebi que eu não deveria me preocupar com isso e abracei a ideia. Gostei muito do resultado", diz Odair José.
O LP, produzido durante a pandemia, trata de questões do nosso tempo, como o mundo virtual, as novas tecnologias e a solidão dos relacionamentos virtuais, unidas nas letras a paixões e desejos.
Biografia e documentário
Odair José parece feliz com a reavaliação de sua obra e o respeito que conquistou de uma geração de fãs que nem era nascida quando ele foi o "terror das empregadas".
Agora, o cantor e compositor participa de dois projetos que sempre evitou, um livro e um filme sobre sua carreira.
O primeiro, escrito por Leonardo Vinhas, será lançado em setembro. Já o longa será um documentário com direção de Dandara Ferreira, diretora de "Meu nome é Gal".
"Nunca gostei da ideia de ter um livro ou um filme sobre mim", diz. "Mas percebi que tanto Vinhas quanto Dandara estavam interessados na mesma coisa que eu, que é falar de minha obra, sem ficar preso a questões da minha vida pessoal, que não interessam." E, a cada reavaliação da obra de Odair José, a figura do cantor "brega" ou "cafona" vai ficando para trás.