Takumi (Hitoshi Omika) e a filha Hana (Ryô Nishikawa) dividem com a natureza o protagonismo no filme

Takumi (Hitoshi Omika) e a filha Hana (Ryô Nishikawa) dividem com a natureza o protagonismo no filme "O mal não existe"

crédito: Imovision/divulgação

 

 

Depois da consagração internacional com “Drive my car” (2021), vencedor do Oscar de Melhor filme internacional, prêmio que veio na esteira de troféus no Bafta, Critics Choice, Globo de Ouro, Gotham, Film Independent e Cannes, o cineasta japonês Ryusuke Hamaguchi fez um caminho diferente. Com estreia nesta quinta (25/7), no UNA Cine Belas Artes, “O mal não existe” é um conto silencioso e cheio de enigmas.

 


Não tem a longa duração do filme anterior (que atingiu três horas), nem traz narrativa convencional (para os padrões do cineasta, diga-se), como “Drive my car”. Em boa parte de pouco mais de 100 minutos, “O mal não existe” é um longa realista. Assim como o título – vindo de um insight de Hamaguchi durante visitas à locação –, seu desfecho desafia o espectador.

 

 


Vencedor do Grande Prêmio do Júri no Festival de Veneza de 2023, “O mal não existe” é ambientado em Mizubiki, vilarejo de seis mil pessoas nos arredores de Tóquio. A distância física é pequena, mas um abismo divide os dois lugares. Os moradores vivem basicamente dos recursos naturais daquele pequeno paraíso, que está prestes a ser invadido.

 

Disputa

 

À primeira vista, o filme parece ser uma briga de Davi e Golias, em que o capitalismo vai destruir o meio ambiente. Takumi (o estreante Hitoshi Omika, escolhido depois de uma temporada dirigindo para Hamaguchi escolher as locações) é o faz-tudo local.

 

Mas não só – Takumi entende como poucos a região. Vive sozinho com a filha Hana (Ryô Nishikawa), de 8 anos. Viúvo? Talvez, não dá para saber o que ocorreu com a mãe da menina. Na primeira vez que o vemos, ele está cortando lenha do lado de fora de casa. Mais tarde, junto a um colega, vai buscar galões de água pura no riacho. Ainda mais tarde, saberemos que esta água faz com que o udon local (tipo de massa japonesa) seja melhor do que os outros.

 

 

 

 

Takumi só é um pouco distraído. Costuma se atrasar para levar Hana à escola. Mas ela não só sabe o caminho de casa, como também conhece os tipos de árvores que circundam a região. Esse preâmbulo é contado sem pressa alguma. A sequência inicial traz um passeio da câmera “olhando” para o céu, enquanto vemos as copas das árvores.

 

A natureza, aliás, protagoniza várias sequências – há momentos em que a câmera, na parte de trás do carro de Takumi, vai nos descrevendo o cenário local. A população de cervos é grande, mas eles convivem bem com os humanos.

 


O idílio está prestes a terminar. Uma dupla improvável – funcionários de agência de relações públicas de atores que se diversificou para o mundo corporativo – faz audiência com os locais. Eles apresentam o projeto do glamping (grosso modo, acampamento moderno, mais luxuoso) que será criado nas terras recém-compradas na região.

 


A tal assembleia foi criada para ouvir as preocupações dos moradores. E eles não são nada simplórios, como os dois funcionários acreditavam. Quando ficam sabendo que a fossa séptica envenenará o abastecimento de água, o caldo começa a entornar.

 


No retorno a Tóquio, os dois funcionários estão, sinceramente, impactados com a demanda da comunidade.


Empatia

 

O cineasta evita o embate ecológico tradicional entre bons e maus que a temática do gênero poderia provocar. Mesmo que o chefe histriônico de Tóquio, cheio de má fé, exija que o projeto seja modificado ao mínimo (tem a “genial” ideia de fazer de Takumi o zelador do glamping), a dupla, agora humanizada aos olhos do público, volta para o vilarejo com ideias que condizem com as preocupações dos moradores.

 


A partir desse novo encontro, a narrativa muda de tom gradualmente, deixando o realismo da parte inicial. É perigoso falar sobre o que ocorre a seguir. Dá para adiantar que, de maneira enigmática, Hamaguchi fala sobre o equilíbrio da natureza. É engenhoso (e difícil) o desfecho, permitindo mais de uma interpretação. Mas esse trabalho vai caber a cada espectador.


“Filme concerto”

 

Quase personagem do filme, a trilha sonora de “O mal não existe” é assinada pela multi-instrumentista Eiko Ishibashi, que também fez a de “Drive my car”. O longa atual, na verdade, surgiu de um projeto da compositora, que pediu que Hamaguchi fizesse imagens para uma apresentação dela.

 

A iniciativa resultou em um segundo filme, “Gift” (2023). O longa, sem diálogos, acompanha os mesmos personagens, o pai Takumi e a filha Hana. Mais enxuto e mudo, é regido pela música de Ishibashi.

 


O “filme concerto”, com a própria tocando em cena, estreou em março, no Festival Internacional de Cinema de Hong Kong. Desde então, teve poucas apresentações.

 


“O MAL NÃO EXISTE”


(Japão, 2023, 106min., de Ryusuke Hamaguchi, com Hitoshi Omika, Ryô Nishikawa) – O filme estreia nesta quinta (25/7), às 16h e às 20h, na Sala 1 do UNA Cine Belas Artes.