Sérgio Alpendre

 

Em "Salamandra", longa de estreia do brasileiro Alex Carvalho que será exibido nesta terça (2/7), no Centro Cultural Unimed-BH Minas, Catherine, mulher francesa vivida por Marina Foïs, está em fuga. No Recife para reencontrar sua irmã Aude, interpretada por Anna Mouglalis, ela procura uma maneira de superar o luto pela morte de seu pai.

 




Exibido na Semana da Crítica do Festival de Veneza de 2021 e na Mostra Internacional de São Paulo do mesmo ano, o filme começa com a chegada de Catherine ao aeroporto, o encontro com a irmã e o cunhado, e uma experiência de degustação às cegas na qual a câmera se move na penumbra, numa interessante escolha formal.

 

O que quer Catherine com sua inconstância de humor e sua permanente insegurança? Não temos como saber, pois ela também não sabe. Nessas situações, o mais importante é saber o que não se quer.

 

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Num dia da praia, talvez seu primeiro em Recife, após escolher um maiô mais comportado no lugar de um biquíni típico brasileiro, ela é abordada por Gilberto, rapaz meio invasivo interpretado por Maicon Rodrigues, que pega emprestado o protetor solar e ainda pede que ela o espalhe em suas costas.
Na volta para a casa da irmã, esta discute com Ricardo, o marido brasileiro vivido por Bruno Garcia, sobre a situação do apartamento com uma hóspede, o que a faz se sentir, por sua vez, também invasiva.


Podemos entender, então, que uma das questões do filme, baseado no celebrado romance do francês Jean-Christophe Rufin, publicado em 2005, é a maneira como cada um invade o espaço do outro.

 

Jogo de manipulação 

 

Catherine, loira e francesa, passa a encontrar Gilberto, ou melhor, Gil, negro e brasileiro, num jogo de manipulações em via dupla. O racismo, embora não seja abordado enfaticamente, é outra questão no filme.

 

 

 


Ao entrar na piscina do prédio, Gil ouve de uma mulher que ele não devia estar ali, pois o espaço é só para moradores. Mas convidados de moradores normalmente podem, ou podiam até pouco tempo, frequentar as piscinas dos prédios. Mesmo que sejam convidados de hóspedes. O que vemos, então, é um típico caso de racismo.


O mesmo que faz com que a empregada de Aude diga que Gil mexeu nas coisas da casa, provocando o impedimento de sua entrada ali. Gil e Catherine invadem uma casa que estava vazia.


Quando chega alguém, Gil se vê obrigado a fugir, deixando Catherine ser descoberta pelo segurança. Seu raciocínio foi lógico para quem vive em país contaminado pelo racismo estrutural. Com a gringa branca não iria acontecer nada demais. Se ele fosse apanhado, as consequências seriam muito maiores. A corajosa elipse confirma a suspeita.

 

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No entanto, o melhor de "Salamandra" está na dificuldade, ou melhor, na relativa falta de dificuldade na comunicação entre os dois amantes. Ela não fala quase nada de português, ele não fala nada de francês, mas eles se entendem apesar dos obstáculos.

 

Feiticeiro sexual

 

O melhor está também no elenco. Se Marina Foïs não precisa provar mais nada a ninguém, o novato Maicon Rodrigues está bem como o jovem Gil, que encanta Catherine como um feiticeiro sexual.
Sua interpretação, jamais livre de certas inconsistências trazidas pela pouca experiência, ajuda a tornar o personagem menos misterioso, suas intenções menos duvidosas.


Nesse quesito, podemos perdoar, embora com um lamento, que Anna Mouglalis e Bruno Garcia atuem sem muito vigor, meio no piloto automático. O foco está mesmo no casal principal.


Na recepção ao filme, pode ocorrer um curto-circuito nestes tempos de olhos poucos livres. É filme de rico, com conexões internacionais, o que pode desagradar críticos que julgam com algum tipo de filtro.
Por outro lado, é dirigido por um pernambucano e ambientado em Recife, local que tem apresentado boa parte do cinema progressista brasileiro, mesmo que de progressista alguns filmes, e mesmo este, só tenham a casca.


O mais importante é que, apesar de perder bastante força na meia hora final, é uma estreia digna, levada com algum cuidado, com erros que quase desaparecem diante dos acertos.

 

 

“SALAMANDRA”
Direção de Alex Carvalho. Com Marina Foïs, Maicon Rodrigues, Anna Mouglalis. Sessão nesta terça-feira (2/7), às 20h10, na sala 2 do Centro Cultural Unimed-BH Minas (Rua da Bahia, 2.244 – Lourdes). Classificação: 18 anos.

 

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