O escritor albanês Ismail Kindaré morreu hoje(1/7), aos 88 anos, vítima de ataque cardíaco, informou o hospital de Tirana, capital da Albânia. Seu romance “Abril despedaçado” (1978) foi adaptado para o cinema pelo diretor Walter Salles, em 2001. O filme homônimo, estrelado por Rodrigo Santoro, projetou o ator internacionalmente.
O autor construiu uma obra monumental ao utilizar a literatura como um instrumento da liberdade sob a tirania comunista de Enver Hoxha, uma das piores ditaduras do século 20. Etnógrafo e romancista sarcástico que alternava do grotesco ao épico, Kadaré explorou os mitos e a história de seu país para dissecar os mecanismos do totalitarismo, um mal universal.
Sua obra foi traduzida para mais de 40 idiomas. A Albânia viveu durante décadas sob a ditadura de Enver Hoxha, um dos regimes mais fechados do mundo. "O inferno comunista, como qualquer outro inferno, é sufocante", disse o escritor à reportagem em uma das suas últimas entrevistas, em outubro.
"Mas na literatura, isto se transforma em uma força vital, uma força que ajuda você a sobreviver, a vencer a ditadura com a cabeça erguida", acrescentou à época.
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"A literatura me deu tudo o que tenho, foi o sentido da minha vida, deu a coragem de resistir, a felicidade, a esperança de superar tudo", explicou, já debilitado, em sua casa em Tirana.
Asilo na França
Após a ruptura com o regime comunista de Tirana, Kadaré deixou a Albânia em outubro de 1990 e recebeu asilo político na França. No momento em que deixou o país, sua dissidência e "desilusão" com o comunismo ressoaram como um trovão por sua procedência de um escritor considerado uma glória nacional, o único que havia conseguido colocar no mapa a literatura daquele pequeno país fechado ao resto do mundo.
Ele relatou a ruptura em "Primavera albanesa" e em uma autobiografia. "A verdade não está nos atos, e sim em meus livros, que são um verdadeiro testamento literário", disse uma vez o escritor mais famoso dos Bálcãs, citado com frequência como um forte candidato ao Nobel.
Nascido em 28 de janeiro de 1936 em Gjirokaster, no Sul do país, Ismail Kadaré estudou em Tirana e depois no Instituto Gorky, em Moscou. Ele mencionou os anos de aprendizado em "Crepúsculo dos deuses das estepes" (1978).
Um dos romances que o tornou famoso foi "O general do exército morto" (1965), episódio tragicômico da Segunda Guerra Mundial, que conta a história de um general italiano que pretende buscar os restos mortais de seus soldados.
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Ele trata da ocupação otomana em "Os tambores da chuva" (1970) e "A ponte dos três arcos" (1978), entre outros. A ocupação italiana é abordada em "Crônica na pedra" (1970). Outras obras foram inspiradas em tradições e lendas albanesas.
Conto moral
Autor de poemas, também escreveu diversos ensaios, incluindo um sobre a tragédia grega: "Ésquilo, o grande perdedor" (1985). Depois de "Dimri i vetmisë së madhe" (“O inverno de grande solidão”, 1973), que fala da ruptura entre Tirana e Moscou, "Koncert në fund të dimrit" (“Concerto no final do inverno”, 1988) é uma obra polifônica, ao mesmo tempo épica, heroica e grotesca, sobre o divórcio entre a China e a Albânia, tema também abordado em "O palácio dos sonhos" (1976).
Publicou ainda "A pirâmide" (1992), uma parábola sobre um projeto faraônico. Em 1998, Kadaré lançou "Três cantos fúnebres para Kosovo", uma curta elegia em prosa que parece um conto moral.
Sarcástico, "O jantar errado" (2011) é apresentado como uma fábula que mistura o trágico e a farsa para desnudar os mecanismos absurdos de uma história que define destinos individuais com base nos caprichos de um tirano paranoico.
Fiel à sua ideia do papel do escritor, Kadaré publicou "O acidente" em 2013, uma reflexão de alcance universal a partir do caso albanês. "Se começássemos a procurar a semelhança entre os povos, a encontraríamos sobretudo do lado dos erros", disse à reportagem.
Kadaré foi eleito, em 1996, membro estrangeiro associado da Academia de Ciências Morais e Políticas da França. Entre vários prêmios, ele recebeu o Príncipe das Astúrias em 2009 e o prêmio Jerusalém em 2015.