Primeiro, ela nomeou uma praça em João Pessoa. Depois, uma escola e um conjunto habitacional. Também rendeu dissertação, tese, livro, espetáculo. Mas a Paraíba demorou a reconhecer Anayde Beiriz (1905-1930). No início dos anos 1980, quando a cineasta Tizuka Yamasaki chegou à capital paraibana, o nome da professora e poeta não estava em lugar algum.

 
Ganhou o público apenas em 1983, com o filme “Parahyba, mulher macho”. O segundo longa de Tizuka fez, na época, mais de 1 milhão de espectadores nos cinemas, ganhou prêmios no Brasil (Festival de Brasília) e fora (Havana). É o filme de abertura da 24ª Curta Circuito, que começa nesta terça (16/7), no Cine Humberto Mauro.

 




Tizuka, de 75 anos, virá a Belo Horizonte conversar com a plateia ao lado da crítica Alcilene Cavalcanti. Nesta edição, a mostra, com o tema “Transgressoras brasileiras do cinema”, exibe, até 15 de outubro, quatro curtas e sete longas dirigidos por mulheres durante a ditadura militar (1964-1985).

 


Cabelos curtos, olhos negros, a “pantera dos olhos dormentes” era dona de uma escrita progressista. Anayde se tornou professora e começou a publicar textos de influência modernista. Entrou para a história por causa de um crime do parceiro.


Crime

Tinha 23 anos quando começou a se relacionar com o advogado e jornalista João Dantas (1888-1930), adversário do então presidente da Paraíba, João Pessoa (1878-1930). Em dado momento, Dantas se refugiou no Recife.

 

A mando de Pessoa, a residência do advogado na Paraíba foi invadida e a correspondência entre ele e Anayde publicada na imprensa. O advogado surpreendeu Pessoa, em visita ao Recife. Com tiros à queima-roupa, pôs fim à vida do inimigo.

 


O crime foi utilizado como propaganda getulista para derrubar o presidente Washington Luís, dando início à Revolução de 1930, que levou Getúlio Vargas ao poder. Dantas foi morto na cadeia – a versão oficial indicou suicídio. Anayde morreu pouco depois por envenenamento autoinfligido.

 


Em “Parahyba, mulher macho”, ela é interpretada por Tânia Alves, Dantas por Cláudio Marzo e Pessoa por Walmor Chagas.

 
A maneira com que Tizuka chegou a esta história é saborosa. Celebrada por seu primeiro longa, “Gaijin – Os caminhos da liberdade” (1980), foi exibi-lo em Londrina. Cineasta e roteirista, José Joffily sugeriu que ela procurasse seu pai, José Joffily Bezerra de Mello, político e historiador paraibano que, cassado pela ditadura, havia se mudado para o Paraná.

 

Ele lhe falou da história de Anayde. “‘Gaijin’ tinha sido superbem recebido, então achei que no próximo filme eu iria levar porrada. Tinha que escolher direito”, diz ela. Joffily passou a lhe enviar artigos, até que escreveu um livro, “Anayde Beiriz – Paixão e morte na Revolução de 30”, que foi a base do roteiro que Tizuka e Joffily (filho) fizeram para “Parahyba, mulher macho”.

 

O longa seria rodado na Paraíba, para onde Tizuka e Joffily partiram para a pesquisa. “Naquela época, ainda tinha muito coronel. Lembro de uma conversa que tivemos com um: eu fazia as perguntas e ele não respondia para mim. Me ignorava, respondia para o Zé (Joffily). Comecei a entender por que a Anayde sofreu tanto.”

 


Tizuka tinha claro que o estado da Paraíba apoiaria o filme. “Só que a Paraíba disse não, fiquei sem chão.” Foi Mônica Silveira, que lhe ajudava a procurar locações, que sugeriu filmar em Pernambuco. “O dinheiro que a gente tinha era para fazer um filme comum. Só que eu ia fazer um filme de época. Perguntei a ela quem eram as três pessoas mais ricas de Pernambuco.”

 

Eram o artista plástico Francisco Brennand, um usineiro do qual ela não se lembra mais o nome e Anita Harley, herdeira das Casas Pernambucanas. Os dois homens não a levaram a lugar algum. “Passei uma madrugada inteira jogando conversa fora com a Anita. Ela me disse que entrava com 10% em dinheiro vivo. E me trouxe a mãe (Helena Lundgren), que entrou com 20%.”

 

Houve mais um apoio da Embrafilme, e o filme foi todo rodado em Pernambuco, com a maior parte das locações em Olinda (fazendo as vezes de João Pessoa). “É um filme que tem Paraíba no título e todo mundo sabe que foi rodado em Pernambuco. O tiro saiu pela culatra”, comenta Tizuka.

 

Há sequências de sexo entre Anayde e Dantas numa praia. Aqui, uma fofoca de bastidor. Tânia Alves e Cláudio Marzo não se davam bem. “Quando eu soube disso, ainda não tinha feito as cenas de sexo. E a fotografia é muito cruel, ela capta essas coisas. Chamei os dois e falei que não tinha nada a ver com o problema entre eles. Então foram superprofissionais.”

 

 

Tizuka nunca havia parado para pensar sobre o que era ser mulher no Brasil. “Venho de um matriarcado. Minha avó, minha mãe, nunca me disseram que o mundo era dos homens. Mais tarde, fazendo uma revisão, vi que posso ter sido discriminada. Mas (na época) não senti isso”, ela diz.

 

“Quando o filme foi lançado, a imprensa veio me questionar sobre a dificuldade de ser uma cineasta mulher. Eu não sabia o que falar. Hoje, acho que foi a Anayde que me ensinou que o papel da mulher é complicado no Brasil. Mas acho que só uma pessoa de fora da Paraíba poderia fazer aquele filme.”

 

No caso, uma descendente de japoneses nascida em Porto Alegre que havia caído de paraquedas naquela história. 

 

CURTA CIRCUITO
Nesta terça (16/7), às 19h, no Cine Humberto Mauro (Avenida Afonso Pena, 1.537, Centro), com a exibição de “Parahyba, mulher macho”, de Tizuka Yamasaki. O filme será exibido em 29/8 em Araçuaí e 5/9 em Montes Claros. Entrada franca. Programação completa em curtacircuito.com.br

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