“A questão sobre o fim do teatro atravessa os tempos. É um lugar constantemente ameaçado por censura, pelo descaso dos governos e até pela própria discussão sobre se essa forma de arte é ou não necessária. Também entra o debate das novas tecnologias. Quando o rádio surgiu, as pessoas pensaram que aquilo significava o fim do teatro, o mesmo aconteceu com a televisão e a internet. Mas, na verdade, o teatro perdura”, afirma Maíra Lour. Ela é a diretora artística de “Aqui – Amanhã é outra imagem”, espetáculo que a Súbita Companhia de Teatro apresenta neste final de semana no Galpão Cine Horto, em Belo Horizonte.
Durante a peça, cinco atores lidam com um buraco no teto. Ele invade a cena, colocando a trupe em risco. O perigo iminente remete aos desafios enfrentados pelo teatro na contemporaneidade. Os personagens personificam diferentes manifestações e momentos das artes cênicas ao longo da história.
A atriz Helena de Jorge Portela representa a ancestralidade, a tradição e o amor pelo espaço de encenação. Dafne Viola se relaciona com a juventude, com a novidade e o fôlego dos jovens artistas para enfrentar os perigos que ameaçam a arte. Patrícia Cipriano atravessa o tempo, é como o oráculo que prediz passado e futuro. A Cleydson Nascimento cabe o papel do artista “pé no chão”, que procura maneiras práticas e realistas de resolver o problema no teto.
Inquietudes reais
Pablito Kucarz interpreta o narrador. “Ele vai revelar para o público como cada uma daquelas pessoas chegou até ali. É um texto autobiográfico, os atores carregam personas, mas também falam de suas dores, inquietudes e o motivo pelo qual seguem fazendo teatro, apesar das dificuldades e por vezes a vontade de desistir”, explica a fundadora do grupo curitibano.
Com dramaturgia assinada por Maíra Lour e Lígia Souza, o texto original partiu dos próprios atores, processo que a diretora define como “criação bastante colaborativa”. A ideia surgiu no início de 2020, pouco antes da pandemia de COVID-19.
“Iniciamos o processo de criação do espetáculo em março de 2020. Fizemos poucos ensaios antes de sermos atravessados pela pandemia. Continuamos à distância, no on-line, realizando investigações”, recorda.
“Nosso tema foi mudando por conta da COVID-19. Já tínhamos bastante interesse em falar sobre o fim do teatro e as ameaças que ele sofre constantemente, mas o isolamento veio abalar ainda mais as estruturas dessa manifestação artística, levando a discussão para outros patamares”, conta Maíra Lour.
O espetáculo não se preocupa em dar respostas, mas, sim, expor questões ligadas ao ofício. “Foi interessante navegar pela ideia do fim, a pandemia nos trouxe isso de forma assustadora. De um momento para o outro, não dava mais para o grupo se apresentar. Foi um baque. Aos poucos, encontramos caminhos e espaços para seguir fazendo o nosso trabalho. Foi uma época de mudança muito radical”, observa.
Apesar de “Aqui – Amanhã é outra imagem” se concentrar nos riscos que ameaçam o teatro, Maíra Lour destaca que a peça não se restringe à classe artística. “Os pontos discutidos se expandem para nossa vida pessoal e pública, principalmente pela forma como encaramos tudo aquilo que nos acontece”, diz ela.
O projeto foi iniciado com curtas-metragens gravados individualmente pelos atores em 2020. Cada um dos cinco primeiros episódios retrata a vivência particular deles durante o confinamento social.
A compilação do audiovisual, disponível no canal do grupo no YouTube, carrega traços autobiográficos. A sexta e última parte reuniu a trupe em filmagem cercada de cuidados para evitar o contágio pelo coronavírus.
“Cada curta apresenta uma versão da sensação de isolamento e das limitações que a pandemia nos trouxe. Isso ocorre de um modo que pende para o fantasioso, o surreal. Cada parte representa uma única trajetória. No último curta, os cinco personagens se reúnem, olham para cima e percebem o buraco no teto. O fim dos curtas marca o início do espetáculo”, adianta Maíra Lour.
"AQUI – AMANHÃ É OUTRA IMAGEM”
Peça da Súbita Companhia de Teatro. Dramaturgia: Maíra Lour e Lígia Souza. Hoje (20/7) e domingo (21/7), às 20h, no Galpão Cine Horto (Rua Pitangui, 3.613, Horto). Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia-entrada), à venda na plataforma Sympla.
* Estagiária sob supervisão da editora-assistente Ângela Faria