José Alberto Nemer costuma dizer que nunca foi artista muito disciplinado, só se dedicava à criação quando não tinha mais nada para fazer. Ele pondera que a pandemia o obrigou a certa mudança de postura e isso tem se refletido ao longo dos últimos anos. Em 2022, o artista mineiro circulou com grande exposição de aquarelas, que passou pelo Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, e pela Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre, antes de chegar a Belo Horizonte, no Palácio das Artes.

 

Passados dois anos, ele volta à carga com o conjunto de 11 aquarelas, em dimensões variadas, expostas na Lemos de Sá Galeria de Arte, na capital. Nemer começou a produzir as obras no final de 2023 e se manteve dedicado a elas durante o primeiro semestre deste ano. Ele observa que este tempo está em consonância com o ritmo de trabalho mais aplicado que adotou.




 

Dois fatores determinam quando sua nova safra de criações deve ser levada a público. “Um deles é a demanda de uma exposição. O outro é a constituição de um conjunto a ser exposto. Isso tem funcionado de forma meio sincronizada, tem a ver com meu ritmo. Fico um ano, às vezes dois, trabalhando recluso e, na sequência, normalmente me surge a oportunidade de expor, geralmente de forma itinerante”, comenta.

 

 

Ele diz que esse caráter itinerante se relaciona com o fato de mais habitualmente mostrar seu trabalho em espaços institucionais, como o Centro Cultural Banco do Brasil ou o Instituto Moreira Salles, com unidades em diferentes cidades do país. “De uns tempos para cá é que tenho realizado mais mostras em galerias”, pontua.

 

 

Aquarelas de Nemer são fruto do diálogo entre o aleatório e a construção concreta, geométrica

Miguel Aun/divulgação

 

A nova exposição, batizada de “Aquarelas recentes, 2024”, dá continuidade a questões que o mineiro vem explorando há anos. “Ela guarda proximidade com a última, que passou por São Paulo e Porto Alegre antes de vir para Belo Horizonte, mas, ao mesmo tempo, dá um passo à frente, porque começo a reconhecer avanços muito sutis, muito lentos, que apontam para um lugar diferente do que eu vinha fazendo. A temática é sempre mais ou menos a mesma: o diálogo entre a construção concreta, geométrica, e o aleatório, o espontâneo, o gestual”, explica.

 

A pandemia implicou em produção mais aplicada e sistemática, mas Nemer não se livrou completamente de certa indisciplina.

 

“Não consigo ter rigidez com relação à produção artística. A disciplina rígida que tenho é a do exercício físico na academia, porque sinto que o corpo pede esse rigor”, revela. Quanto à criação, ele diz que precisa esperar pelo “tédio existencial” para trabalhar bem.

 

 

“De alguma maneira, continuo produzindo quando não tenho outras atividades. Não sou um trabalhador obsessivo da obra, então este é o ritmo: quando o tédio aparece, vou buscar uma saída na criação. Para mim, ela nasce como uma espécie de musculatura do espírito”, explica.

 

Desenhistas mineiros

 

Integrante da geração dos chamados desenhistas mineiros, que se afirmou no cenário da arte brasileira a partir da década de 1970, Nemer tem com a aquarela relação que remonta aos primórdios de sua formação acadêmica, na Escola de Belas-Artes da UFMG.

 

A relação, no entanto, foi secionada. Durante longo tempo, ele deixou de praticar essa forma de expressão por considerar que o ensino da aquarela era muito limitador. No seu entendimento, o método, quando cursou a faculdade, era restritivo – com relação ao uso do preto, por exemplo – e cheio de regras.

 

 

Tão logo se formou, Nemer passou a investir no desenho e só muitos anos depois voltou à aquarela, como parte de um processo terapêutico.

 

"Propus à minha analista que os relatórios que eu deveria fazer fossem em forma de aquarelas. Sintomaticamente, comecei pelo preto, com cenas do meu imaginário e do cotidiano, num conjunto que, aliás, batizei de ‘Ilusões cotidianas’. Continha toda uma mitologia contemporânea", disse, em entrevista ao "Estado de Minas", por ocasião da abertura de sua exposição no Palácio das Artes, há dois anos.


Atualmente, a dedicação à técnica chega a ser quase exclusiva, a despeito de Nemer se considerar artista múltiplo. “Às vezes me pedem um texto. Escrevi para o catálogo do Grupo Corpo, por exemplo. Também escrevo para mim mesmo, são reflexões críticas que sinto necessidade de botar no papel”, diz.

 

No momento, o foco é a mostra em cartaz na Lemos de Sá e seus desdobramentos. “Estou concentrado no meu trabalho e achando muito bom isso, porque as aquarelas exigem muita tranquilidade e muita disponibilidade para elas. Depois desta exposição, tem outra programada para a galeria Matias Brotas Arte Contemporânea, em Vitória, no Espírito Santo. O projeto mais imediato é este”, adianta.

 

“AQUARELAS RECENTES, 2024”

Exposição de José Alberto Nemer. Lemos de Sá Galeria de Arte (Rua Germano Chatti, 255, Mangabeiras). De segunda a sexta, das 10h às 17h; sábado, das 10h às 13h. Até 16 de agosto. Informações: (31) 3261-3993.

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