Sérgio Alpendre
Filmando entre Portugal e o Brasil, com as facilidades e as dificuldades típicas dos dois países, o brasileiro Leonardo Mouramateus vem construindo sua carreira europeia sem negar as origens. Sua obra se estabeleceu entre curtas elogiados como “A festa e os cães” (2015) e “Meio ano-luz” (2021), e dois longas, “António um dois três” (2017) e “A vida são dois dias” (2022).
Mouramateus costuma ser exemplo de cinema impregnado de juventude, mas a verdade é que seu cinema amadureceu consideravelmente nos últimos três anos. “Greice”, seu terceiro longa, venceu a última edição do Olhar de Cinema. Poderia ser considerado a coroação de uma evolução, finalmente materializada em um filme que mescla gêneros distintos com algum sucesso.
A trama acompanha as andanças da personagem-título, interpretada por Amandyra. A brasileira de 21 anos vive em Lisboa, alternando os estudos em belas-artes com o trabalho em clipes de uma cantora pop chamada Clea, vivida por Isabel Zuaa. Greice ainda se vira num quiosque de sucos.
Ela conhece Afonso, aliás, Mauro Soares, jovem português enrolado com o inventário dos bens de seu pai morto, e os dois começam a namorar. Só que Afonso é um tanto estranho. Desaparece sem dizer o motivo e aparentemente tem algum mistério em sua vida.
Aos poucos, fica claro que a relação entre Greice e Afonso reproduz, em pleno século 21, a prática de um país de histórico colonialista, agravada pela xenofobia de uma minoria barulhenta.
Mouramateus é entusiasta das narrativas episódicas, como havia mostrado em “António um dois três”, ou das tramas que tenham alguma mudança marcante em sua estrutura. De algum modo, sabemos que será dividida por algum artifício.
Eis que, após ser suspensa da faculdade onde estuda em Lisboa por ser suspeita, com Afonso, de ter incendiado um quadro, Greice faz uma viagem ao Ceará, sua terra natal, embora precise mentir para a mãe, dizendo que ainda estava em Lisboa.
Em Fortaleza, ela tenta conexões para arrumar meios de se defender e não ser expulsa de Portugal. Não há muita lógica em seu retorno, a não ser pela fuga da situação que a desnorteava: o fim do namoro com um jovem tóxico português e a possível acusação de ser incendiária.
Hospedada num hotel à beira-mar, ela se envolve com o recepcionista Enrique, personagem que adiciona contornos meio cômicos ao filme, até pela semelhança do ator que o interpreta, Dipas, com Ben Stiller.
O filme se estrutura inteligentemente em pequenas repetições. Greice reclama que Enrique escuta as conversas dela. Eis que, numa ligação à portaria interrompida pela chegada da prima Márcia, Enrique escuta, pelo telefone que Greice esqueceu de recolocar no gancho, todo o enrosco de Portugal conforme ela informa à prima. Mais tarde, as antenas ativadas do recepcionista possibilitam uma das cenas mais interessantes do filme: a novidade que Greice diz a outro amigo é ouvida pelo exultante Enrique, que pula o balcão da recepção e corre na direção dela em comemoração.
Danças e beijos
Ao mesmo tempo, “Greice” tem bobagens que reforçam tanto a conexão com modismos atuais quanto a incompletude do processo de maturidade do diretor Mouramateus. Um exemplo: as coreografias de dança, que parecem quase obrigação em filmes brasileiros recentes.
Outro clichê é uma pessoa que se atira desesperadamente para beijar a outra, como se não houvesse mais delicadeza entre os jovens, só impulsividade.
Esses problemas se encaixam numa espécie de uniformização do cinema feito por jovens de nossos dias. Apesar deles, o filme se deixa ver com um singelo sorriso no rosto. É inegável a superioridade da parte brasileira nesta coprodução, mas é igualmente inegável que haja uma “graça” espalhada por todo o filme.
“GREICE”
(Portugal/Brasil, 2024, 110min.) – De Leonardo Mouramateus, com Amandyra, Mauro Soares e Dipas. Em cartaz às 18h30, na Sala 2 do Una Cine Belas Artes (não abre hoje). Nesta segunda (22/7), às 20h35; terça (23/7), às 19h, com sessão comentada por Amanda Soares e Gabriel Araújo, no Centro Cultural Unimed-BH Minas.