Nas convenções do slasher, ou filmes de matança, na definição do pesquisador Carlos Primati, um grupo de jovens sem maiores propósitos para além de diversão e sexo se reúne num determinado ambiente afastado das cidades e das aglomerações para farrear. Nesse espaço sem muitas possibilidades de fuga, eles vão sendo criativamente assassinados um a um por algum maluco traumatizado que habita o lugar.

 



 

Fenômeno na década de 1980 e ainda hoje reverenciados, os filmes de matança criaram suas próprias regras a ponto de elas serem quebradas, ironizadas ou desvirtuadas por franquias como "Pânico", iniciada por Wes Craven em 1996 e já num acumulado de seis filmes e uma série de TV.

 

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"Hora do massacre", em cartaz em Belo Horizonte, não chega a ser sátira nem releitura. Aproxima-se bem mais de uma reembalagem do formato, ainda que, como é necessário à manutenção de qualquer subgênero, mantenha-se dentro de certas características inescapáveis.


Na verdade, contar que "Hora do massacre" é um slasher é adiantar mais do que se deveria de sua trama e formato, mas o spoiler está autorizado pelo trailer e por várias entrevistas do trio de cineastas canadenses François Simard, Anouk Whissell e Yoann-Karl Whissell, que assina seus filmes como o coletivo RKSS, ou Roadkill Superstars.


Assim como fizeram com os suspenses infantojuvenis oitentistas em "Verão de 84", lançado em 2018, e com os filmes de mortos-vivos em "We are zombies", de 2023, os diretores partem de premissas estabelecidas ao longo de décadas, desta vez dos slashers, para encontrar, num ponto aqui e outro acolá, respiros de novidade que de alguma forma surpreendam o espectador já calejado.

 

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Ao mesmo tempo, propõem algo empolgante a quem não estiver familiarizado com tal estrutura. "Hora do massacre" leva seus jovens condenados a um ambiente isolado, como manda a praxe, mas dessa vez os personagens são politicamente conscientes e engajados, com propósitos menos lúdicos que o padrão.


Eles secretamente invadem uma espécie de Leroy Merlin fictícia com objetivo de vandalizarem a loja em defesa do meio ambiente e chamarem atenção em vídeos nas redes sociais. O que não esperam é o fato de um dos seguranças noturnos do local ser um sociopata em vias de ser demitido e cujo hobby é caçar animais selvagens com armas construídas por ele próprio.


Jogo de gato e rato

 

Uma vez estabelecido o conflito básico, o filme se torna o velho jogo de gato e ratos, embalado pela boa trilha sonora eletrônica do espanhol Arnau Bataller e por ataques impiedosos do antagonista, em cenas de violência ora chocantes, ora caricatas, na medida da diversão que o coletivo RKSS ambiciona.


Tenta-se aqui e ali alguns ensaios de discursividade ou mesmo a alegoria de inverter os papéis e fazer os jovens militantes, que defendem o reflorestamento e os direitos dos animais, tornarem-se eles mesmos bichos sendo caçados, mas nada disso é muito aprofundado antes da próxima armadilha mortal. Isso é até bom, porque mantém "Hora do massacre" dentro de seus próprios limites, deixando mais evidente apenas o que de fato o RKSS está interessado em mostrar e sabe fazer bem.

 

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A ambientação numa loja de departamentos dá a medida adequada para a claustrofobia dos seis personagens, e o uso de cores e neon gera algumas cenas visualmente instigantes, como o momento em que o grupo é pintado com tintas fluorescentes e perseguido no escuro. Este e outros momentos parecem ser os motivadores do RKSS para desenvolverem o seu próprio "filme de matança", além dos clichês mais conhecidos, bem como o desfecho, esse sim a ser aqui preservado ao leitor.


Pode-se adiantar que, do mesmo jeito que fizeram em "Verão de 84", os cineastas se permitem uma conclusão igualmente sarcástica e sombria que, se não traz algo de efetivamente renovador, é um comentário preciso tanto sobre as consequências das ações mostradas nos rápidos 80 minutos de filme quanto especialmente uma reflexão sobre o próprio subgênero ao qual se filia. Não chega a ser radical, mas tampouco "Hora do massacre" é ingênuo. (Marcelo Miranda)

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