Em 2020, pouco depois de a pandemia chegar ao Brasil, o cineasta cearense Guto Parente se viu trancado em casa, sem trabalho. Com tempo ocioso, começou a esboçar o roteiro de um longa inspirado em sua relação com o pai, morto dois anos antes. Sem grandes pretensões de filmá-lo.

 


“Quando escrevi o roteiro, a gente vivia um momento muito delicado”, lembra Parente. “Estávamos no começo da pandemia, lidando com algo desconhecido que matava muita gente. Ao mesmo tempo, vivíamos sob o governo autoritário e fascista, que tinha agenda muito clara de combate à expressão artística. A gente não sabia qual seria o futuro do cinema no país”, afirma o diretor.

 



 


O projeto de Parente só começou a ganhar corpo com a sanção da Lei Aldir Blanc, em junho de 2020, determinando o repasse da recursos federais para estados e municípios apoiarem iniciativas culturais.

 

Exercício de sanidade

 

Até então um exercício do cineasta para manter a própria sanidade, o roteiro se tornou o longa “Estranho caminho”, que entra em cartaz nos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (1º/8) e terá sessão de pré-estreia hoje (30/7), no Centro Cultural Unimed-BH Minas, na capital. Depois da exibição, Guto e equipe técnica conversar com o público.

 


“Estranho caminho” foi exibido em 36 festivais de cinema de 20 países. Ganhou 19 prêmios. Entre eles, o de melhor filme no Tribeca Festival, em Nova York, e de melhor música original no Festival de Cinema de Havana, além do troféu Bronze Star for Narrative Film, no egípcio El Gouna. Ano passado, no Festival de Cinema do Rio, levou o prêmio de melhor roteiro. Em janeiro deste ano, foi considerado o melhor filme da Mostra Autorias, em Tiradentes.

 


O que explica o sucesso deste projeto fora do eixo Rio-São Paulo, totalmente gravado no Ceará e com elenco pouco conhecido?

 


“Acredito que seja o fato de tratarmos a relação pai e filho, com todas as barreiras e conflitos que existem para pessoas que pertencem a duas gerações diferentes”, responde Parente.

 

 

 


Lucas Limeira interpreta David, cineasta cearense que se mudou para Lisboa com a mãe na pré-adolescência e vive com a namorada em Portugal. Ele volta ao Brasil a convite de um festival de cinema do Ceará. Porém, desembarca no país junto da pandemia, vê o evento ser cancelado e aeroportos suspenderem todos os voos.

 


Impedido de voltar para Portugal, David recorre ao pai, Geraldo (o mineiro Carlos Francisco, de “Marte Um”), com quem está há 10 anos sem falar. Depois de longa conversa, o jovem convence Geraldo a recebê-lo em casa.

 

 


Descobre, então, que o pai é uma figura excêntrica e misteriosa – isso alimenta o suspense que vai desaguar no clímax final do longa. Tais estranhezas fazem David olhar para si mesmo e avaliar o que sente pelo pai.


“É fascinante o poder do cinema de investigar sentimentos, experiências e comportamentos humanos, né?”, afirma Parente. “O filme nos dá a possibilidade de entender melhor nossos sentimentos, fazendo a gente refletir sobre quem somos no mundo enquanto indivíduos e sociedade. Na maioria das vezes, é por causa da identificação com algum personagem que as pessoas conseguem chegar a essas reflexões”, acredita.

 

O ator mineiro Carlos Francisco vive Geraldo, o pai do protagonista David

Embaúba Filmes/divulgação

 

 

Identificação globalizada

 

A reação do público aos personagens de “Estranho caminho” surpreendeu Guto Parente. Tanto na Armênia quanto no Egito, Kosovo, Estados Unidos, França, Cuba e Portugal, o diretor ouviu de várias pessoas que elas vivem com os pais a mesma relação de David e Geraldo. No final de uma sessão na África do Sul, espectadora afirmou que reataria com o pai por causa do filme.

 


Parte dessa identificação se explica pelos enquadramentos que Parente escolheu. Com a câmera muito perto do rosto do ator, o diretor faz com que o espectador se sinta quase íntimo do personagem e da história contada na tela.

 


“Em determinados momentos, tem-se a impressão de que se vive dentro de um pesadelo, dentro de um sonho. Planos mais fechados dão a sensação de confinamento”, observa Parente.

 


Outro motivo para a câmera ficar circunscrita a rostos, de acordo com o diretor, é o fato de “Estranho caminho” ser um “filme da pandemia”.

 


“Há cenas em que as pessoas usam máscaras faciais. Então, quis aproximar mais do olhar dos personagens para a atuação ser construída também nesse olhar”, conclui Guto Parente. 

 

“ESTRANHO CAMINHO”


Brasil, 2023, 83 min. Filme de Guto Parente. Com Lucas Limeira, Carlos Francisco, Tarzia Firmino e Rita Cabaço. Pré-estreia nesta terça-feira (30/7), às 19h30, no Centro Cultural Unimed-BH Minas (Rua da Bahia, 2.244, Lourdes). Exibição seguida de bate-papo com Guto Parente, Taís Augusto, diretora de arte e montadora, e Breno Baptista, assistente de direção. Estreia no circuito comercial na quinta-feira (1/8).

 

 

compartilhe