Os novos trabalhos de Fani Bracher são marcados pela fusão do figurativo 
e do abstrato, a liberdade colorista e a multiplicação de detalhes
 -  (crédito: Divulgação)

Os novos trabalhos de Fani Bracher são marcados pela fusão do figurativo e do abstrato, a liberdade colorista e a multiplicação de detalhes

crédito: Divulgação

Ronald Polito*
Especial para o EM

 

O trabalho de Fani Bracher move-se há décadas marcado pelo signo de uma constante inquietação: de formas, cores, disposições no espaço, materiais, atmosferas. Em seu momento atual, atingiu um patamar surpreendente. As telas, caixas, desenhos, bordados são de tirar o fôlego, provocam estupefação.


Foi longo o caminho para o alcance de uma plenitude, uma consistência superior e incomum na arte brasileira. A conferir na Galeria Espaço Arte, em Juiz de fora, onde a artista expõe a partir da próxima quinta-feira (8/8), até 5 de setembro.

 


O núcleo da exposição são seus trabalhos mais recentes, de 2022 para cá. Mas a presença de duas telas antigas, de 1988 e 1996, é oportuna para que possamos refletir sobre as transformações que vêm ocorrendo. Essas telas anteriores já denotam certa distância em relação às das décadas precedentes, pelo alargamento em negro dos contornos entre os campos de cor ou sua supressão e por uma gama maior de cores contrastada com o predomínio dos tons terrosos de seus anos iniciais.

 


Os novos trabalhos se distanciam do que vemos nessas duas telas. Se sempre foi marcante segmentar, separar claramente as formas com contornos visíveis, aprisionantes, tornando-as incomunicáveis, nos trabalhos atuais, geralmente, tudo se esboroa, se mistura, se liberta, já não há nada tão nítido e mesmo os campos de cor perdem homogeneidade. As próprias cores são em maior número.

 


Figuração e abastração

Estamos no campo das alusões. Alguns motivos persistem ao longo de seu trajeto, como relevos, linhas do horizonte, montanhas, escadas, insinuações de casas, pedras, edifícios. Mas essas formas como que se dissolvem, perdem nitidez, se misturam e, sobretudo, se dispõem no espaço de modo ambíguo criando uma oscilação de grande inteligência entre figuração e abstração.

 
Também são novas as telas que lembram trabalhos monocromáticos, feitas com pigmentos terrosos, por vezes próximos do tom sanguine, e algum azul. Constituem territórios fantasmáticos, guardam algo de croqui em seu fundo, de grafismo, podem sugerir diagramas aéreos de campos naturais, combinam pinceladas que mesclam maneiras distintas de plasmar impressões: sobre extensões de cor um pouco homogêneas, vemos pinceladas livres, gestuais, que tensionam a placidez, o repouso, o assentamento das massas.

 


A tela “Flores” (2004) funciona como mediação entre motivos anteriores e os trabalhos atuais. Nela já notamos a transformação dos contornos e certa guinada em relação às rosas e lírios tão presentes antes. Aqui o motivo floral sugere a simplicidade das chitas, a aproximação dos motivos decorativos populares, a recorrência de rosas ao lado de margaridas, uma flor tão simples.

 

Paisagem montanhosa

A tela também faculta que a relacionemos com as caixas expostas. Nelas, as folhas não são figuradas com tintas, mas diretamente coladas sobre o fundo, bem como as pedras, pintadas tantas vezes, agora estão fisicamente fixadas. As caixas operam como recortes da natureza, pedaços de chão paralisados, em diálogo com a pintura matérica e com a arte povera (mas sem dadaísmo ou surrealismo). Igualmente, elas se articulam de modo inovador com o manifesto interesse de Fani pelas terras de Minas Gerais, seu solo, sua paisagem montanhosa.

 

Já duas telas de 2022, uma quadrada, outra vertical, são exemplos do que se disse: fusão do figurativo e do abstrato, mudança da função do contorno, liberdade colorista, multiplicação de detalhes, exploração de tom sobre tom, intenso movimento ascendente e descendente que as diagonais de um e o círculo do outro dinamizam.

 


Compõem ainda a exposição dois grupos mais inusuais na trajetória de Fani. Desenhos impressos em pigmento sobre papel que oscilam entre esboços, croquis, figurações dissolventes ou sugestões de formas que se desfazem.

 

Os bordados, gravados em pigmento sobre papel, por sua vez, que remetem a uma arte cada vez menos frequentada, são como o resgate de uma memória a não ser perdida. Talvez por isso lembrem mapas a nos guiar em novos territórios, e a presença de texto só acentua essa orientação, fragmentos de poemas que, como nos desenhos, nos convidam a partir para o infinito, para fora do espaço bordado.
Não são o que comumente se toma por bordado, já que se misturam com pigmentos, ou seja, escapam a classificações. Um deles rompe o convencional quadrilátero, põe-se como retalho a forçar a mente a completá-lo.

 

Pinturas, assemblages em caixas, desenhos, bordados, são muitas frentes, diversos os caminhos. Mas que constituem uma forte unidade, uma assinatura inconfundível, e um momento de síntese da inquietude tão criativa de Fani Bracher. Esses trabalhos têm vida longa.

 

FANI BRACHER
Exposição de obras da artista, na Galeria RH Espaço Arte (Alameda Engenheiro Gentil Forn, 1805, Morro do Cristo), em Juiz de Fora, a partir da próxima quinta-feira (8/8). Visitação de segunda a sexta, das 13h às 19h, e aos sábados, das 8h30 às 12h30.

 

* Ronald Polito é poeta e historiador. Ele assina a curadoria da exposição de Fani Bracher na Galeria RH Espaço de Arte.