A série em quatro episódios tem registros de toda a carreira do skatista, mostrando suas manobras mais ousadas e também suas numerosas lesões na pista -  (crédito: HBO/Divulgação)

A série em quatro episódios tem registros de toda a carreira do skatista, mostrando suas manobras mais ousadas e também suas numerosas lesões na pista

crédito: HBO/Divulgação

 

Antes dos 10 anos, Robert Dean Silva Burnquist já tinha levado sua família várias vezes para a emergência dos hospitais. Um dos primeiros acidentes foi com seu dente da frente, tanto que, nas fotos da infância, ele está feliz e banguela. Mais grave foi outro, no telhado de casa, que o levou a 17 pontos no saco escrotal – durante anos, ficou sem saber se poderia ter filhos (é pai de duas meninas).

 


“Quebrar o rosto é bom? Não é, mas e daí se quebrou? E daí se caiu? Não tem esse drama todo. O cair, se machucar, se ferrar na vida é o que faz a gente ser mais forte”, afirma ao Estado de Minas Bob Burnquist, de 47 anos e 48 ossos quebrados. Até agora.

 


Com estreia nesta terça (13/8), na HBO e na Max, a minissérie “Bob Burnquist: A lenda do skate”, de Daniel Baccaro, acompanha, em quatro episódios, a trajetória do mais importante skatista brasileiro – e um dos maiores do mundo, sempre presente nos rankings como o detentor de manobras ousadas e impossíveis. É o maior medalhista da história do X Games, os jogos olímpicos dos esportes radicais. Foram 30 medalhas, 14 delas de ouro.

 


Os dois acidentes listados no início deste texto ocorreram antes de Bob ganhar seu primeiro skate, do pai, aos 11 anos. Nascido no Rio de Janeiro e criado em São Paulo, o filho da mineira (de Uberaba) Dora Silva e do norte-americano (da Califórnia) Dean Burnquist, não demorou a descobrir as pistas.

 


Era praticamente vizinho da Ultra Skatepark, a pista particular (porém aberta a todos) criada em São Paulo em 1988 pelo pai do skatista Cristiano Mateus, depois que o então prefeito Jânio Quadros proibiu a prática em lugares públicos.

 


“A gente viveu um momento em que o skate era marginalizado. Era outro skate. E o Bob conseguiu viver o sonho da nossa geração. Ele se transformou nesse personagem extraordinário que também transformou o skate”, afirma Baccaro, amigo de Burnquist há 40 anos, desde a infância e adolescência na Ultra.

 


A minissérie segue esta trajetória até os dias atuais. Começa com um menino muito ativo que se torna uma referência no skate mundial fazendo o que ninguém fazia e traz o personagem, já na vida adulta, envolvido com outras paixões. Com dupla nacionalidade, vive entre os Estados Unidos e o Brasil. Adora artes plásticas, pilota aviões e helicópteros, salta de paraquedas, é personagem de jogos eletrônicos, está à frente do projeto social Skate Cuida.

 


Baccaro começou o projeto em outubro de 2016. Nos primeiros anos, catalogou vídeos e fotos (foram 200 colaboradores de todo o mundo, fora imagens de veículos de imprensa) para criar uma linha do tempo. “Organizar esse arquivo nos deu a base para subverter a história, para que ela não ficasse linear”, diz.

 


Burnquist colaborou com o projeto, mas só assistiu à produção quando ela foi finalizada. “Não quis ver porque senão iria querer participar. Quando assisti, eu não acreditei que algumas imagens existiam. Óbvio que lembro de toda a história, vivi aquilo na pele e no nosso, mas vê-la contada com a visão de alguém de fora e costurada por um amigo de infância foi muito gratificante. Lógico que deu medo, porque eu não tive controle, e sou um cara que gosta de ter o controle das coisas.”

 


Ser controlador é uma das características que familiares e amigos de Burnquist apontam ao longo da série. E também o temperamento. Gente muito boa, mas dado a explosões. Ora Jorge Ben, ora Led Zeppelin. Quem faz a analogia é o cantor, compositor, guitarrista (e também skatista) Ben Harper.

 


Fã de Burnquist, ele se desmancha em elogios, descrevendo manobras. Aliás, é uma delas, que virou sua marca, a chamada switch stance (grosso modo, inverter a posição dos pés sobre o skate) que ganha várias explicações na tela. Para os skatistas, só mesmo outro pode entender como se dá a switch stance. Harper tenta explicá-la ao violão.

 


A manobra, diz Burnquist, acompanha a forma com que ele lida com a vida em geral. “A minha identidade sempre foi a de alguém que faz o que ninguém faz. Se eu fiz uma manobra de um jeito, depois queria fazê-la de forma completamente diferente. Por exemplo: aprendi a desenhar de um jeito. Depois aprendi de outro. Isto me abriu horizontes para fazer novas manobras. É simples: se você escreve com a direita, pode escrever com a esquerda também.”

 


Como tem muitas imagens de campeonatos, a série elenca o número absurdo de acidentes que Burnquist sofreu durante as competições. Um dos mais impressionantes o mostra com o nariz totalmente quebrado, sangrando na pista. Só que ele não desiste de competir. Recebe um tratamento de urgência e volta para a disputa.

 


O skate se tornou uma modalidade olímpica nos Jogos de Tóquio, em 2021. “A galera que está andando agora, ou competindo, vai poder ver a minha história. Assim, eles podem se sentir mais representados, porque, às vezes, como skatista, você fica um pouco perdido, achando que é uma atividade sem cultura, sem raiz.”

 


Mas Burnquist, de maneira alguma, se vê numa olimpíada – mesmo que tivesse 20 anos a menos. “É uma situação que nunca passou pela minha cabeça, além do mais, porque o Park e o Street (as modalidades do skate olímpico) nunca foram a minha. Talvez, se tivesse uma mega rampa (a especialidade dele é o vertical). Mas a onda olímpica nunca foi a nossa. Para a gente, o skate sempre foi um lugar para mostrar a nossa visceralidade”, afirma.

 


“BOB BURNQUIST: A LENDA DO SKATE”
• Minissérie em quatro episódios. O primeiro estreia nesta terça-feira (13/8), às 21h, na HBO e na Max. Novos episódios às terças