O portal especializado em cinema IndieWire, dos Estados Unidos, divulgou uma lista dos 100 melhores filmes dos anos 2000, como parte de uma programação especial em comemoração à década. No ranking, há apenas um filme brasileiro: “Jogo de cena”, de 2007, na 66ª posição.
O site fez uma reflexão de como o cinema foi se modificando ao longo dos anos 2000, com a popularização do universo digital. A publicação ressalta que a lista não é a mesma que eles fariam no fim daquela década.
“Esta lista foi reorganizada 100 vezes diferentes desde que a montamos pela primeira vez, e há pelo menos 100 filmes que nos doeu omitir no final; nossas mais sinceras desculpas a ‘We Own the Night’, ‘Millennium Mambo’, ‘Munique’, ‘Master and Commander’, ‘The New World’, ‘The Assassination of Jesse James by the Coward Robert Ford’ e qualquer número de grandes filmes que poderiam ter sido incluídos se tivéssemos feito isso há dois meses, ou daqui a dois meses. Mas estamos felizes em aceitar essa flutuação, porque os anos 2000 sempre foram definidos pela mudança, e essa é a única coisa sobre eles que provavelmente nunca será”, definiu.
Dirigido por Eduardo Coutinho (1933-2014), “Jogo de cena” é um documentário em que 83 mulheres contam sua história, incluindo atrizes como Andréa Beltrão e Fernanda Torres. O grande chamariz para o longa é o fato de ficção e realidade se misturarem.
“Qualquer mulher brasileira comum que quisesse poderia ir ao teatro de Coutinho e contar sua história de vida para sua câmera. Esses contos seriam então recitados por um elenco de atrizes profissionais. (..) O diretor exalta o fato de que não podemos distinguir as atrizes das ‘pessoas reais’ que elas estão interpretando (embora alguns rostos sejam reconhecíveis pelo público brasileiro), e explora uma interação das desconexões que surgem entre as entrevistadas e as profissionais encarregadas de repetir suas palavras. Uma mãe descreve a morte de seu filho com calma sobrenatural, mas a atriz que a interpreta não consegue deixar de chorar enquanto reconta a mesma história. Qual parece mais autêntico para nós?”, destacou o site.
A publicação ainda afirma que o filme extrapola a questão do real e fictício. “Com o enquadramento certo, qualquer coisa pode ser vista como testemunho, e qualquer coisa pode ser vista como performance. Uma vez que isso é estabelecido, Coutinho está livre para quebrar suas próprias regras para nos manter adivinhando. Surpresas abundam. Em um par, a atriz vai primeiro. Em outro, o narrador original nunca aparece na câmera. Tudo aponta para a verdade do próprio cinema, e para a noção de que qualquer vida é digna dos filmes, desde que haja uma câmera para capturá-la para nós”, apontou.
Os 10 melhores
Na lista dos 10 melhores, o IndieWire colocou “A Viagem de Chihiro” (2001), de Hayao Miyazaki, em 10º lugar. O filme conta a história de Chihiro, uma menina de 10 anos que fica furiosa ao descobrir que vai se mudar de cidade com os pais. No caminho para a nova casa, a família se perde e encontra um mundo de criaturas estranhas que requerem coragem da garota para enfrentar desafios.
“Hayao Miyazaki entende algo fundamental sobre o momento em que um jovem começa a entender o que significa estar vivo e compartilhar nossas vidas com os outros. Essa rara sabedoria se materializa em vários dos maiores filmes do mestre japonês, mas em nenhum lugar ela se cristaliza mais lucidamente — ou mais indelevelmente — do que em ‘A Viagem de Chihiro’”, elogiou o site.
Em nono lugar, está “O que resta do tempo” (2009), de Elia Suleiman. O filme mostra quatro episódios que marcaram a vida do diretor entre 1948 até os dias atuais. Neles é reconstituído o cotidiano dos "árabes israelenses", que optaram por permanecer em sua terra natal e, desta forma, passaram a integrar a minoria local.
“Absorvido nas verdades latentes da vida sob ocupação e totalmente ausente de qualquer discurso polêmico, ‘O que resta do tempo’ salta de uma imagem inesquecível para a outra enquanto presta uma homenagem agridoce à terra natal em perigo do diretor”, diz a publicação.
“Encontros e Desencontros” (2003), de Sofia Coppola, ocupa a oitava posição. O longa retrata a história de Bob e Charlotte, viajantes que não conseguem dormir e se encontram, por acaso, no bar de um hotel de luxo. Em pouco tempo, encontram distração, fuga e compreensão um no outro entre as luzes de Tóquio.
“Profundamente engraçado e profundamente triste, o segundo longa de Coppola nos leva a uma Tóquio iluminada por neon, sempre em movimento e terrivelmente solitária. Charlotte (uma Scarlett Johansson nunca melhor) está viajando com seu marido idiota (Giovanni Ribisi), mas ele está ocupado demais trabalhando para atender a qualquer uma de suas necessidades ou mesmo perceber que ela as tem. Bob Harris (um Bill Murray também nunca melhor) também está na cidade a trabalho (ou o que resta dela), mas ele tem tanto tempo livre quanto o jovem recém-formado em filosofia. À medida que eles continuam a se esbarrar em seu brilhante hotel na cidade, um raro vínculo se forma”, escreveu.
“As Praias de Agnès” (2008), de Agnès Varda (1928-2019), aparece em seguida, em sétimo lugar. A diretora francesa cria uma autobiografia, com fotografias, fragmentos de filmes, entrevistas, e pequenas encenações, em um passeio do tempo de criança na Bélgica até Paris, da descoberta do cinema até a participação na Nouvelle Vague, do casamento e dos filhos até a vida depois da morte de Jacques Demy.
“‘As Praias de Agnès’ faz a ponte entre o cinema documentário e o cinema de ensaio, combinando filmagens de toda a filmografia de Varda com fotografias pessoais e quadros lúdicos, muitos deles envolvendo areia e espelhos. Ela torna a criatividade divertida, montando um ‘escritório’ na praia e encenando o passado como um jogo de vestir infantil usando bugigangas de mercado de pulgas”, descreveu.
Em sexto lugar, “Sangue Negro” (2007), de Paul Thomas Anderson. O filme conta a história do minerador falido Daniel Plainview, que decide começar vida nova e buscar a fortuna com o filho em local rico em petróleo, mas seus interesses entram em conflito com os do pastor Eli Sunday, a figura mais influente da cidade.
“Não há nada que amemos ver mais do que uma saga de ascensão e queda sobre alguém arruinado pela mesma ambição voraz que nos falta, e o público aprendeu que histórias como essa raramente têm finais felizes (essas narrativas nos ensinam a não querer muito). Mas “Sangue Negro” se resolve em vitória, não em derrota”, salientou.
Entrando no Top 5, está “35 Doses de Rum” (2008), de Claire Denis. Na história, Lionel é um viúvo que criou sozinho sua filha, Josephine. Eles sempre viveram sozinhos. Mas, agora que Josephine está na faculdade, Lionel percebe que não ficarão isolados para sempre.
“Apesar de todo seu poder de permanência eterno, também é um filme tão fugaz quanto os momentos que ele lamenta tão bem. Assim como a felicidade doméstica que seus personagens lutam para manter, o filme só escapa mais rápido quando você tenta agarrá-lo com muita firmeza. A vida pode fazer parecer que estamos apenas construindo uma casa tosca com as cartas que o mundo nos dá, mas às vezes sua beleza total só é possível de apreciar quando puxamos o fundo para fora e vemos tudo cair ao nosso redor”, apontou.
Em quarto lugar, “2046 – Os Segredos do Amor” (2004), de Wong Kar Wai. A sinopse adianta que, hospedado em um hotel em Hong Kong, o jornalista Mo Wan Chow escreve um livro de ficção científica sobre o futuro enquanto recorda seus relacionamentos do passado e se envolve com suas vizinhas de quarto.
“A natureza visionária do cinema de Wong pode disfarçar como olhar para trás é o que ele sempre fez de melhor, e de uma certa perspectiva ‘Os segredos do amor’ — por toda sua beleza arrebatadora — é mais poderoso para refletir do que assistir. Seria quase uma perda de tempo para Wong projetar aquele poço de areia movediça com detalhes tão granulares se ele nunca mais voltasse para ver Mo-wan afundar mais fundo enquanto ele se debate em busca de seu passado”, escreveu.
O Top 3 começa com “Cidades dos Sonhos” (2001), de David Lynch. No filme, uma jovem atriz viaja para Hollywood e se vê emaranhada numa intriga secreta com uma mulher que escapou por pouco de ser assassinada, e que agora se encontra com amnésia devido a um acidente de carro.
“Lynch captura o horror de um sonho que dá tão errado que uma alma se perde no processo, mas também ilustra por que o sonho faz as pessoas voltarem. Betty sempre entrará em Hollywood com a ilusão de que nunca se tornará uma Diane porque você nunca acredita realmente que o monstro está por trás daquela lixeira. Você tem que procurá-lo por si mesmo”, destacou.
Em segundo lugar, está “As Coisas Simples da Vida” (2000), de Edward Yang. Em Taipei, Jian, um homem de 40 anos, vai ao casamento do cunhado, onde reencontra sua namorada de infância, Sherry, enquanto sua filha Ting Ting vivencia sua primeira desilusão amorosa.
“Casando a grandeza expansiva de um épico de Hollywood e a especificidade meticulosa de um pequeno drama indie, o retrato multigeracional de Yang de uma família taiwanesa observa da mais delicada distância enquanto seus personagens navegam pelos triunfos, tragédias e banalidades da vida na Terra ao longo de um único verão. Por mais redutor que seja chamar isso (ou qualquer coisa) de ode à humanidade, qualquer coisa menos dramática não seria suficiente”, caracterizou.
Por fim, “A.I. Inteligência Artificial” (2001), de Steven Spielberg, foi eleito o melhor filme dos anos 2000. Na história, David, o primeiro menino-robô programado para amar, é adotado por um funcionário da Cybertronics e sua esposa. No entanto, uma série de circunstâncias inesperadas dificulta a vida de David. Sem a total aceitação dos humanos ou das máquinas, o menino-robô embarca em uma jornada para descobrir seu verdadeiro mundo.
“O amor não existe em desafio ao tempo — o amor é o desafio ao tempo. E, tal como David, o filme que Spielberg fez sobre ele nunca envelhecerá um dia”, explicou.