A poeta Inês Campos diz que se inspirou na teoria da mecânica quântica conhecida como

A poeta Inês Campos diz que se inspirou na teoria da mecânica quântica conhecida como "princípio da incerteza"

crédito: Tatiana Bicalho/Divulgação

 

Foi pela curiosidade, pesquisando sobre física quântica na internet, que a advogada e poeta Inês Campos encontrou o ‘princípio da incerteza’ de Heisenberg, teoria segundo a qual não é possível determinar simultaneamente com a mesma precisão certos pares de propriedades físicas de uma partícula, como sua posição e seu momento (a combinação de massa e velocidade).

 


Se o leitor não compreendeu, tudo bem. Trata-se de mecânica quântica, afinal. Inês tampouco apreendeu o conceito de Heisenberg. Ateve-se ao título – que achou “incrível” – para trabalhar na coletânea de poemas que integra seu terceiro livro, “O músculo da escolha”, recentemente publicado pela editora Corsário Satã.

 


“Quando me deparei com esse nome, falei: ‘Uau! O que é isso?’. É um termo que cabe muito bem no meio jurídico e na poesia”, comenta ela. “Eu quis muito trabalhar com isso. Com essa ideia de princípio da incerteza, que é essa dificuldade para escolher. Porque é uma questão muito pessoal. Encarar situações em que preciso escolher algo e, consequentemente, abrir mão de outras coisas é muito difícil para mim”, afirma.

 


Viagem de trem

Costurando os poemas com prosa poética, “O músculo da escolha” conta a história de uma mulher que está prestes a partir em uma viagem de trem. Não sabemos de onde ela vem e nem para onde vai. Sabe-se apenas que ela precisa partir e deseja partir. Ao mesmo tempo, existe nela uma dúvida, um pensamento de que ficar seria a melhor opção. Tomar qualquer decisão, para essa personagem, exige força. Por isso, o sugestivo título “O músculo da escolha”.

 

“Eu quis muito trabalhar com isso. Com essa ideia de princípio da incerteza, que é essa dificuldade para escolher. Porque é uma questão muito pessoal. Encarar situações em que preciso escolher algo e, onsequentemente, abrir mão de outras coisas é muito difícil para mim”

Inês Campos, poeta


“Mesmo que essa mulher escolha ficar, ela vai ter que sair daquela estação de trem e caminhar. É o músculo que é exigido. E aí tem toda uma história de sofrimento que vai acompanhá-la por causa dessas decisões de partir ou não partir”, ressalta a poeta. 

 


Inês não revela em momento algum o motivo real de todas essas angústias da personagem. São os sentimentos esculpidos em palavras que direcionam o leitor para uma compreensão do estado da mulher. E é pelas lacunas deixadas propositalmente pela autora entre os textos que o leitor percebe o tal princípio da incerteza dominando a mulher.

 


Dúvida e hesitação

Emulando a poesia de Ana Cristina César (1952-1983) e a prosa de Clarice Lispector (1920-1977), Inês entrega uma obra que, conforme escreve a escritora Flávia Péret no posfácio, “narra a errância, o impasse, a hesitação, a desconfiança, a incerteza” e na qual “a própria linguagem contém em si a dúvida e a hesitação”.

 

“Quando eu me vi em quarentena, presa em casa sem ter muitas coisas para fazer, comecei a desenhar. A partir de cada desenho, eu escrevia um poema. Eram versos que remetiam à imagem desenhada ou aos objetos que utilizei, como carvão e o nanquim”

Inês Campos, poeta


Inês Campos, no entanto, não escreveu os textos de “O músculo da escolha” com a intenção de juntá-los em livro. Escrever era apenas um exercício para manter a sanidade durante a pandemia.
“Quando eu me vi em quarentena, presa em casa sem ter muitas coisas para fazer, comecei a desenhar. A partir de cada desenho, eu escrevia um poema. Eram versos que remetiam à imagem desenhada ou aos objetos que utilizei, como carvão e o nanquim”, conta.

 


Além dos desenhos que fazia, Inês também contou com as fotos de paisagem capturadas pelo tio, o fotógrafo Rodrigo Campos. Numa espécie de escambo artístico, Rodrigo enviava as fotografias e recebia em troca poemas concebidos a partir delas.

 


Paralelamente, Inês começou a escrever um conto cuja temática era justamente a hesitação de uma mulher que desejava partir do lugar onde estava, mas não sabia como. “Enquanto eu escrevia aquele conto, ia vendo que as coisas estavam muito explicadinhas”, afirma a escritora.

 


Não demorou para Inês perceber que não queria fazer uma prosa poética. Não interessava a ela mergulhar em uma história e desenvolver tramas, subtramas e personagens conforme exige um conto, crônica ou romance. Ela queria falar da dor que se imagina daquela mulher que partiu de algum lugar e o medo do novo, para onde ela iria.

 


Nesse interesse pelo lugar-espaço, Inês começou a pesquisar sobre física quântica e, sem querer, se deparou com o já citado ‘princípio da incerteza’.

 


“Sou péssima em matemática. Horrível, terrível. Mas achei aquilo tudo (a mecânica quântica) muito poético. Porque ela exige um pouco de abstração para fechar um raciocínio. Ela dá uma abertura e se propõe a explicar algo sem explicá-lo objetivamente”, diz.

 


Assim, levada pela junção da abstração científica e da hesitação pessoal, Inês escreveu no sugestivo poema intitulado “Princípio da incerteza de Heisenberg”: “Chegaram os físicos das coisas mínimas / para dizer sobre o comportamento / ondulatório, o simples e doído não saber / que não cabe em normas, números, receitas / e que diminuir uma incerteza / aumenta outra”. 

 

 

 

“O MÚSCULO DA ESCOLHA”
. De Inês Campos
. Editora Corsário Satã (96 págs.)
. Exemplares à venda por R$ 42, nas livrarias a no site da editora