Luiza Lemmertz e Caio Blat vivem Diadorim e Riobaldo no filme em que imagem e palavra se equivalem -  (crédito: 2+3 Produções/divulgação)

Luiza Lemmertz e Caio Blat vivem Diadorim e Riobaldo no filme em que imagem e palavra se equivalem

crédito: 2+3 Produções/divulgação

 

 

“Meu desejo sempre foi o de estabelecer um diálogo com a linguagem de Guimarães. Abri mão de tudo, locações e referências, para entrar de fato no que é fundamental: o caráter humano, o que acontece no redemunho da vida das pessoas”, afirma Bia Lessa, uma das mentes mais inquietas das artes (faz teatro, cinema, exposição, show) no Brasil.

 

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Com estreia nesta quinta-feira (29/8), no UNA Cine Belas Artes, o filme “O diabo na rua no meio do redemunho” é o resultado da imersão de quase 20 anos de Bia Lessa na obra máxima de Guimarães Rosa (1908-1967).

 


Em 2006, ela concebeu, para a inauguração do Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, a mostra “Grande sertão: Veredas”. Naquele mesmo ano, cinquentenário do livro, foi lançada edição especial do romance com o catálogo da exposição. Em 2017, Bia montou o espetáculo “Grande sertão: Veredas”, acontecimento no meio teatral que levou os prêmios APCA, Shell e Bravo!.

 

 

 


O elenco da peça está no filme. Caio Blat (Riobaldo), Luiza Lemmertz (Diadorim) e Luisa Arraes (Nhorinhá) encabeçam a produção. Blat (novamente como Riobaldo) e Arraes (Diadorim) foram vistos recentemente em “Grande sertão”, a versão contemporânea feita por Guel Arraes para o grande público. Em “O diabo na rua...”, Guel atua como produtor associado.

 

 

Atores do filme "O diabo na rua do meio do redumunho"

Trupe filmou "O diabo na rua no meio do redumunho" dentro de um galpão, por 17 dias, depois de levar "Grande sertão: Veredas" ao palco

2 3 Produções/divulgação

 

O longa de Bia Lessa foi rodado em 2018 em um galpão, durante 17 dias. “Meu desejo nunca foi o de filmar a peça”, afirma a diretora, que na encenação contou com estrutura tubular, tal como uma gaiola, no palco.

 


No filme não há nada, somente o fundo preto. Ora os atores são personagens, ora pássaros, ora boiada. “Todos os atores estão presentes o tempo inteiro, não tem ninguém fora da cena. Depois de dois anos (de peça), o ‘Grande sertão’ já estava muito dentro deles”, acrescenta Bia.

 


“Quando fomos para o filme, não houve a preocupação de que em teatro se faz tudo grande e em cinema, pequeno. No espetáculo, os atores interpretaram muito mais perto do cinema do que do próprio teatro. Como tínhamos microfone (na peça), eles podiam falar baixo. O que houve foi um diálogo com a câmera. Quis imprimir também a ideia do homem diante da solidão absoluta, solto no nada”.

 


“O diabo na rua no meio do redemunho” – frase pinçada da primeira parte do romance, em que Riobaldo, já idoso, introduz os temas da narrativa – foi feito em etapas. “Quando achava que estava pronto, refazia. A trilha sonora foi refeita muitas vezes. Teve a música incidental do Egberto Gismonti, depois O Grivo fez o que chama de cenografia sonora... O filme que foi se fazendo”, conta Bia.

 

 

 


Por um período, o longa se chamou “Travessia”, a última palavra frase da saga roseana. “Durante algum tempo, o filme ainda estava muito conectado com o roteiro para o teatro. Fomos mudando tanto até que precisamos mudar o título também, como um redemunho. O filme começa quase como cinema falado, aos poucos vai perdendo o foco e entrando no mundo da alma do Riobaldo.”

 

 


A narrativa não é linear. As falas que tratam de vida e morte, a partir dos questionamentos de Riobaldo Tatarana, ganham legendas (vermelhas) no filme. Bia prefere chamar de “texto na tela”. “Isso estabelece outra leitura. Como estamos falando de Guimarães Rosa, você tem a cena e também a palavra. É como se disséssemos: ‘Olha como interpretamos isso’”.

 


A diretora tem acompanhado o lançamento a cada cidade em que o filme estreia, o que já ocorreu em São Paulo e no Rio de Janeiro. “Tudo o que a gente faz na vida é para falar com o outro.”

 


De acordo com ela, não se trata de produção somente para iniciados. “Uma das perguntas que fazemos nos debates é quem ainda não leu (“Grande sertão”). Quem estuda Guimarães vai apreciar o filme de um jeito, mas a pessoa que chega virgem ao cinema vai se deparar com a riqueza da prosódia, com a alegria da trama, com o que é certo e errado, com amor, questões de gênero, de violência, pobreza. É uma obra que fala com todo mundo.”

 

 


“Grande sertão”, o espetáculo, foi apresentado entre 2017 e 2019 em algumas cidades, Belo Horizonte incluída. A montagem tinha data em abril de 2020 para ser encenada em Inhotim. Cancelada em decorrência da pandemia, a iniciativa poderá finalmente acontecer.

 


“Estamos iniciando uma conversa com Inhotim. Se formos, vamos levar peça, filme e exposição”, adianta a diretora.

 


Neste momento, no entanto, ela acredita que sua trajetória com o clássico esteja encerrada. “Depois da exposição e do livro, me perguntaram se faria ‘Grande sertão’ em teatro. Na época, eu disse que jamais. Agora digo que nunca mais vou tocar no livro, mas pode ser que ele ainda me pegue. Ele sempre me surpreende”, finaliza.

 


“O DIABO NA RUA NO MEIO DO REDEMUNHO”


(Brasil, 2023, 127min., de Bia Lessa, com Caio Blat, Luiza Lemmertz e Luisa Arraes) – Estreia nesta quinta-feira (29/8), às 19h30, na sala 1 do UNA Cine Belas Artes.