Marcos Caruso e Jandira Martini viveram uma espécie de casamento profissional por quase 40 anos. Contracenaram em diversas atrações da TV e do teatro, sendo premiados juntos pelas montagens de “Porca miséria” e “Sua excelência, o candidato”. Chegaram até a lançar um livro a quatro mãos: “Comédias de Jandira Martini e Marcos Caruso” (Panda Books, 2005).

 




A morte de Jandira em janeiro deste ano em decorrência de um câncer de pulmão pareceu colocar fim ao casamento artístico. Contudo, um monólogo inédito escrito por ela após receber o diagnóstico de câncer deixou brecha para uma última parceria.

 


“Jandira – Em busca do bonde perdido”, em cartaz no próximo sábado (3/8) e domingo, no teatro do Centro Cultural Unimed-BH Minas, passeia por memórias da atriz e dramaturga santista como uma ode à vida, mas sempre com a consciência de que a morte está à espreita.

 


“Jandira escreveu esse texto primeiramente como livro e publicou só no formato de e-book. Li e achei linda a coragem dela de se expor”, afirma Caruso, que assina a direção do monólogo.

 


Fechar o ciclo

“Ela transformou esse livro em texto teatral sem que eu soubesse. Só tive acesso a ele quando fui convidado pelos filhos dela e pelo Fernando Cardoso (responsável pela produção da peça) para dirigir a montagem. Foi uma maneira de fechar esse ciclo de parceria com ela”, comenta.

 


Na peça, Isabel Teixeira interpreta uma Jandira pouco conhecida. É uma mulher econômica em todos os aspectos. Não é verborrágica, tem poucos, mas verdadeiros amigos, e não é muito de distribuir afagos e abraços. Suas próprias reflexões a respeito da finitude da vida são feitas em poucas palavras.

 


O que não é econômico na atriz e dramaturga, no entanto, são suas experiências pessoais e sua bagagem cultural. Nas memórias, a personagem-título conta com riqueza de detalhes como eram os blocos de carnaval em Santos na década de 1950, sua escolha pelo teatro ainda na juventude e os episódios marcantes ao longo da carreira, sempre fazendo referências a Molière, Machado de Assis, Oscar Wilde, Shakespeare e outros escritores e dramaturgos consagrados.

 


Ao longo de quase 60 anos de carreira, Jandira escreveu e atuou em dezenas de peças teatrais. Além dos prêmios recebidos com “Porca miséria” (Shell, Associação Paulista de Críticos de Arte e Mambembe de Melhores Autores em 1994) e “Sua excelência, o candidato” (Prêmio Molière de autoria em 1986 para Jandira e Caruso), ela levou o prêmio APCA de melhor texto por “O eclipse”, em 2008.

 


Para a TV, escreveu e atuou em “Ana Raio e Zé Trovão”, da TV Manchete. Esteve no elenco de “Éramos seis” e “Sangue do meu sangue”, do SBT. E também participou das novelas “Sassaricando”, “O clone”, “Caminho das Índias”, “Salve Jorge” e “Morde e assopra”, da TV Globo.

 


Um dos cuidados que Caruso e Isabel tiveram foi o de não colocarem no palco uma caricatura de Jandira Martini. “Toda vez que eu perguntava para o Caruso como seria o jeito que a Jandira diria alguma coisa, ele me respondia: ‘Eu sei como ela falaria, mas não vou te contar, porque eu quero que você descubra como fazer essa personagem’”, conta a atriz.

 


A Jandira da peça é focada e um tanto ou quanto solitária. Encara o público em cima de um palco vazio, onde, vez ou outra, vão surgindo espectros iluminados que remetem ao que ela está contando. A movimentação pelo palco também é comedida, vindo de marcações geométricas que insinuam o desenvolvimento do câncer.

 


Efeitos colaterais

“Quando a gente é surpreendida com o diagnóstico da doença, passamos a receber, a cada momento, informações novas ou mesmo temos efeitos colaterais diferentes. Num dia você está bem e no outro não está. Não é um movimento circular nem reto. Por isso fiz essa marcação geométrica no palco para a Bel”, diz Caruso.

 


Outra marcação dele que, embora sutil, é cheia de significados se refere à iluminação. Ao longo da peça, um único feixe de luz se projeta não na atriz, e sim no lugar oposto ao dela no palco, fazendo com que ela passe grande parte do espetáculo correndo atrás dessa luz.

 


“A escrita dramatúrgica é expandida”, observa Isabel Teixeira. “Não é uma escrita de escritório. Assim, o encenador também tem a sua contribuição no texto, tal qual o ator. E o que eu percebo neste texto é que ele transcende a pessoalidade, tornando-se universal a partir do momento em que os sentimentos que a Jandira exprime no palco e muitas de suas experiências, sobretudo com a doença, podem acontecer com qualquer pessoa. Qualquer um pode se identificar.”

 


“Jandira – Em busca do bonde perdido” fez sua estreia em Santos, no final de julho. Depois de Belo Horizonte, o monólogo segue em turnê pelo país. “Foi muito difícil, em termos emocionais, fazer essa peça”, conta Caruso. “Ainda estávamos muito próximos da morte da Jandira. Mas, vendo o resultado final, tenho certeza de que ela gostou do que fizemos”, afirma.

 


“JANDIRA – EM BUSCA DO BONDE PERDIDO”
Texto: Jandira Martini (1945-2024). Direção: Marcos Caruso. Com Isabel Teixeira. Neste sábado (3/8), às 20h; e domingo, às 17h. No teatro do Centro Cultural Unimed-BH Minas (Rua da Bahia, 2.244, Lourdes). Ingressos à venda por R$ 100 (inteira) e R$ 50 (meia), na bilheteria do teatro e pelo site Sympla. Informações: (31) 3516-1360.

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