“A vida sem o violoncelo teria sido certamente muito diferente... É algo inconcebível, inimaginável para mim. Sinto que teria sido uma vida triste.” Morto neste sábado (3/8), aos 66 anos, na Basileia, Suíça, Antonio Meneses saiu de cena como um dos principais músicos de sua geração. Era um dos mais completos nomes da música brasileira de concerto.

 



 

Em junho, Meneses foi diagnosticado com gliobastoma multiforme, um agressivo tumor cerebral. Em julho, foi anunciado seu afastamento dos palcos e da Universidade de Berna, onde era professor. A pedido do próprio músico, não haverá funeral.

 

 

A vida com o violoncelo começou por obra do pai, o trompista João Jerônimo Meneses. Foi ele quem decidiu quais instrumentos de cordas seus cinco filhos tocariam. Ao primogênito coube o cello. 

 

 

Nascido no Recife, Meneses chegou ao Rio de Janeiro na primeira infância, quando o pai entrou para a orquestra do Theatro Municipal. Tinha 16 anos quando deixou o Brasil, onde nunca mais voltou a morar. “Quando fui para a Europa é que realmente resolvi me tornar o melhor possível”, afirmou ao Estado de Minas, em 2022.

 

 

Sua trajetória como solista decolou após vencer os concursos de Munique (1977) e Tchaikovsky, em Moscou (1982). “Quando cheguei a Munique, estava em uma situação de extrema pobreza. Não imaginava que chegaria ao fim do concurso. Pedi dinheiro emprestado sem saber se poderia devolver”, relatou ao EM.

 

 

Uma vez consagrado, colaborou com algumas das orquestras e dos maestros mais importantes do mundo. Integrou o Beaux-Arts Trio e teve parcerias com pianistas como Menahem Pressler e Maria João Pires. 

 

 

“Buscou, durante toda a carreira, o equilíbrio entre a técnica e a expressão, e deixou registros históricos de obras de Elgar, Schumann, Brahms ou Villa-Lobos, além do cuidado que sempre teve em encomendar obras a autores brasileiros, ampliando o repertório do instrumento”, afirmou o jornalista João Luiz Sampaio, que dividiu, com Luciana Medeiros, a autoria da biografia “Antonio Meneses – Arquitetura da emoção” (2010, Algol Editora).

 

 

 “Foi um trabalho que revelou uma pessoa que fazia da música sua forma de contato com o mundo. Ele não gostava de sair falando de si próprio, mas, quando o assunto era música, ele se abria, trazendo lembranças, memórias e se revelava uma pessoa bem-humorada e profundamente inteligente”, acrescentou Sampaio. 

 

 

Mesmo vivendo fora do país, Meneses mantinha uma relação estreita com o Brasil. Belo Horizonte estava sempre incluída. “Era onde ele se sentia verdadeiramente em casa e onde deixava guardado seu violoncelo para os concertos no país. Por isso, suas passagens internacionais eram sempre via Belo Horizonte”, contou a pianista, produtora cultural e professora Celina Szrvinsk.

 

 

 

Em BH, Meneses nunca se hospedava em hotel. Sempre na casa de seu “amigo/irmão Arquimedes Brandão, onde nos reuníamos após os concertos”, contou Celina, que cultivou uma amizade de quase 30 anos com o instrumentista, iniciada em 1998.

 

 

Na época, o Palácio das Artes estava sendo reconstruído após o incêndio de 1997. A convite de Marília Salgado, Celina organizou com ela um recital de Meneses com o pianista e professor alemão Michael Uhde. A apresentação foi no foyer, já que o Grande Teatro estava fechado.

 

 

A partir deste retorno, Celina o trouxe para várias apresentações. “Em dado momento, ele ouviu uma gravação minha com um violinista polonês. Perguntou quem era a pessoa ao piano, e lhe responderam que era eu”, relembrou. Os dois criaram um duo, tocaram fora do Brasil e gravaram o álbum “Soirées internationales” (2009), em Londres. 


Aniversário em BH

 

Nascido em 23 de agosto de 1957, Meneses gostava de passar seu aniversário em BH. Celina organizou alguns concertos nesta data. Em 2003, com o pianista Menahem Pressler, no Conservatório UFMG. Em 2022, seus 65 anos foram celebrados ao lado da pianista, no Festival de Maio, no Centro Cultural Unimed-BH Minas. 

 

Maestro e diretor artístico da Orquestra Filarmônica, Fabio Mechetti nasceu quatro dias depois de Meneses, em 27 de agosto de 1957. Os dois celebraram em 2017 a chegada aos 60 anos com concertos na Sala Minas Gerais. Meneses foi um convidado frequente da Filarmônica, desde os primeiros tempos da orquestra. Foi inclusive o solista da turnê na Argentina e no Uruguai, em 2012. Em outubro, ele faria dois concertos na Sala Minas Gerais.

 

 

“Ele sempre foi entusiasmado com o fazer musical, um grande incentivador de composições e de novos compositores. É uma perda lastimável, mas o papel dele na música brasileira vai ficar registrado para sempre, seja com suas conquistas como violoncelista, seja por sua presença contínua nas temporadas de concertos do mundo inteiro”, disse Mechetti.

 

 

A última apresentação de Meneses em BH, em dezembro de 2023, foi na Sala Minas Gerais. Na ocasião, houve a estreia do “Concerto para violoncelo e orquestra”, de André Mehmari, que criou a peça sob encomenda para a Filarmônica para que Meneses a executasse. Em 2017, Mehmari e Meneses lançaram um álbum, “AM60AM40” – os dois haviam se conhecido dois anos antes, justamente num jantar pós-concerto na Sala Minas Gerais.

 

 

Outro nome de uma geração mais jovem que teve uma relação com ele foi o pianista Cristian Budu. Em abril de 2023, os dois tocaram juntos no Festival de Piano, realizado na Escola Saramenha, em Ouro Preto. “Antonio é uma figura inestimável para a nossa história. Para mim, desde pequeno, quando ouvi suas gravações, e também ao longo da vida, quando tive a grande honra de me aproximar dele e aprender tanto com sua música e sua história”, afirmou Budu.

 
 
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