“Uns tomam absinto/outros cocaína/eu me intoxiquei de saudade” diz a 16ª das 22 estrofes (em terceto) do poema “Confidência de lajinhense” (2002). Cidade de 20 mil habitantes na Serra do Caparaó, divisa entre Minas Gerais e Espírito Santo, Lajinha nunca foi apenas um retrato na parede para o poeta e artista multimídia Marcelo Dolabela (1957-2020).


Quatro anos após sua morte, aos 62 anos, por sequelas de um AVC, Dolabela, que fez carreira nas artes em Belo Horizonte, ganha seu primeiro livro póstumo. Com lançamento no próximo sábado (10/8), na Mama/Cadela, “Jogo que jogo” (Impressões de Minas) reúne 145 poemas – um quarto deles, inédito. O evento vai ter apresentação do Divergência Socialista, banda seminal do underground mineiro, criada por Dolabela nos anos 1980.

 




O volume é uma iniciativa de um conterrâneo. Também poeta e professor, Gustavo Cerqueira Guimarães reencontrou Dolabela quando se mudou para BH, no início dos anos 1990. “Vi o Marcelo como todo mundo, a mesa (dos bares) estava sempre aberta para mim. Descobri que era fechada para muita gente.” Lajinha os unia, diz Guimarães.

 

m 2021, a prefeitura de Lajinha instituiu o 17 de setembro, nascimento do poeta, o Dia Marcelo Dolabela. Houve uma ação naquele ano, outra em 2022. “Em 2023, já não fizeram nada.” No início de 2024, Regina Guerra, ex-companheira e legatária, esteve na cidade. Foi à prefeitura com Guimarães. A ideia era manter a ideia viva. 

 

 

“Só que ninguém tinha lido o Marcelo (que publicou, de forma independente, dezenas de volumes). Ele fazia 30, 50, 250 exemplares, no máximo, de seus livros, que não circularam muito”, comenta Guimarães.

 

Formação de leitores

Com o apoio de Regina, ele começou a organizar o livro. A princípio, o volume seria voltado para a população de Lajinha. O projeto, que nasceu por meio da Lei Paulo Gustavo, ganhou uma dimensão maior com a entrada da editora Impressões de Minas. Dos 500 exemplares, 100 foram distribuídos em Lajinha, para formação de leitores.

 

“Meu foco, na seleção, foi dar um caráter pedagógico. A ideia é mostrar uma ordem crescente de complexidade. Até metade do livro, ele pode ser lido no ensino fundamental”, diz Guimarães. “Jogo que jogo” é dividido em nove partes. É aberto com dois poemas inéditos: “Ave! Água” e “Vovó veio dos trópicos”. A segunda seção, “Natividade”, traz poemas que retratam a vida de Cristo.

 


Há duas partes dedicadas a haicais; outra a poemas visuais. O futebol é outro tema – ele era torcedor do Flamengo, Cruzeiro e União Futebol Clube. O time inaugura, no fim deste ano, novo estádio em Lajinha, projeto iniciado pelo pai de Dolabela, René, dentista de formação e poeta que apresentou aos filhos a literatura e a música. A seleção “Poemas lajinhenses” encerra o livro.

 

Outra iniciativa em torno dele que virá a público neste mês é a edição especial da revista “Ágora”, “Marcelo Dolabela – poeticografiadadá”. A publicação reúne 21 poemas, dois livretos (um de haicais e outro de poemas visuais) e um fac-símile, cada qual impresso em um papel de cor, formato e gramatura diferentes.

 

Sexta edição da revista de tipografia e artes gráficas criada em 2021, é a primeira em que os editores, Flávio Vignoli e Roberto B. de Carvalho, se dedicam a um único artista. “Até acredito que, a partir de agora, a gente possa ir mais nessa direção. Acho que dessa forma as revistas têm uma permanência”, diz Vignoli.

 


Todos os poemas selecionados já haviam sido publicados. Mas agora vêm com nova composição tipográfica. “Como o Marcelo era adepto da autopublicação, provavelmente não haveria a revista se ele estivesse vivo. A não ser que fizéssemos juntos, pois ele gostava de criar matriz, fazer xerox”, diz Vignoli.

 

O designer e artista gráfico está à frente da Tipografia do Zé, que cria coleções artesanais, só com tipografia tradicional. A edição da “Ágora” dedicada a Dolabela tem tiragem de 165 exemplares. O lançamento será em 24 de agosto, dia em que Vignoli inaugura um novo espaço no Mercado Novo, o Memória Gráfica. Haverá colagens de Dolabela e um gabinete de objetos, selecionados por Adriana Versiani e Regina Guerra.

 

 

Reprodução - Capa do livro

 

“JOGO QUE JOGO”

De Marcelo Dolabela. Impressões de Minas (160 págs.) R$ 50.
Lançamento no sábado (10/8), das 16h às 20h, na Mama/Cadela (Rua Pouso Alegre, 2.048, Santa Tereza). Haverá leitura de poemas e apresentação da banda Divergência Socialista.

 

“ÁGORA – MARCELO DOLABELA – POETICOGRAFIADADÁ”
Tipografia do Zé. R$ 89
Lançamento em 24/8, das 12h às 18h, no Memória Gráfica Mercado Novo (Av. Olegário Maciel, 742, loja 3166). Haverá mostras, videoprojeção, leitura de poemas e intervenção da cantora Patrícia Ahmaral.

 

Reprodução - Capa do livro

 

Guimarães decifrado

Será lançado nesta segunda (5/8), o livro “Para ler ‘Corpo de baile’” (Literíssima, R$ 69), de Luiz Carlos de Assis Rocha, professor de linguística da UFMG. Este é o segundo guia do autor para decifrar o mundo de Guimarães Rosa. Rocha já lançou “Para ler ‘Grande sertão: Veredas’”. Em live às 19h, no Instagram da Literíssima Editora, o autor vai falar sobre a obra.

compartilhe