“Nós somos de Brasília, onde tem uma galera formando bandas de rock muito na frente de outras cidades.” Mas eles se conheceram em Seropédica, na Grande Rio!
E os dois caras ali na sua frente haviam deixado a Capital Federal há uns bons quatro anos. Naquele novembro de 1982, João Barone achou melhor deixar quieto ao ouvir de Herbert Vianna, em sua primeira entrevista para a rádio Fluminense, que os Paralamas do Sucesso eram uma “banda de Brasília”.
“Acabei fazendo uma espécie de chacota com isto”, diverte-se Barone, 62 anos completados na última segunda (5/8). “Era uma estratégia do Herbert para chamar a atenção para a gente, se diferenciar do bando de bandas sem disco”, acrescenta. Não custa lembrar que foi em Brasília que Herbert e Bi Ribeiro se conheceram – mas a formação da banda se deu muito longe dali.
Caso único na história do rock nacional, os Paralamas seguem juntos quase 43 anos depois de seu primeiro show – também o mesmo dia em que Barone conheceu Herbert e Bi. Em Seropédica, diga-se. No livro “1, 2, 3, 4! Contando o tempo com Os Paralamas do Sucesso” (Máquina de Livros), Barone recupera a primeira metade da trajetória do trio. “É um compilado de histórias, não quero que entendam como uma biografia oficial.”
Os Paralamas, por sinal, são uma banda bem documentada. Tem a biografia “Vamos batê lata” (2003, editora 34), de Jamari França, o livro de fotos “Os Paralamas do Sucesso” (2006, Senac Rio), de Maurício Valladares, e “Selvagem?” (2023, Cobogó), uma análise de Mario Luis Grangeia para o terceiro álbum. Há ainda o documentário “Os quatro paralamas” (2020), de Roberto Berliner e Paschoal Samora.
Barone, que já lançou três títulos sobre a Segunda Guerra Mundial, conta que não utilizou nenhuma dessas fontes para pesquisar. “Minha premissa era falar da minha história.”
Falso epílogo
A narrativa vai até 2001, quando ocorreu o acidente do avião pilotado por Herbert, tragédia que o deixou paraplégico e matou sua mulher, Lucy. Foi uma decisão que teve uma dose de pragmatismo. “O livro já estava com 400 páginas, se fosse escrever sobre os últimos 22 anos, eu teria que abreviar muita coisa”. Mas também houve uma vontade de seguir adiante. “Criei um falso epílogo para preparar minha animação para o próximo tomo.”
Ainda que a banda domine boa parte da narrativa, o livro é, em outra medida, a história de um menino comum que se tornou músico. A pré-história dos Paralamas é também a de João, o caçula de um casal que se mudou para Seropédica porque o marido, funcionário público, foi transferido para a Universidade Rural, numa repartição do Ministério da Agricultura.
A Rural, como seus moradores a chamavam, foi o lugar onde Barone passou infância e adolescência. Já tinha mostrado que tinha gana como baterista – sua primeira performance foi aos 10 anos, na banda do irmão mais velho. Era um apaixonado pelos Beatles. Mas sua bateria estava escanteada quando, em 1981, um colega lhe bateu à porta apresentando um cabeludo estiloso (Bi Ribeiro) que queria o instrumento.
Barone só tocou no primeiro show porque Vital, o baterista original dos Paralamas (foi escolhido porque batucava na mesa do cursinho) não apareceu. Esse episódio é muito conhecido, mas ganha força com a pena do autor.
Barone conta em detalhes passagens como a gravação da demo que tinha “Vital e sua moto”; a força que Lulu Santos deu para o trio nos primeiros tempos; as gravações dos primeiros discos; o nascimento de hits como “Óculos” e “Alagados”; a chegada ao Rock in Rio de 1985; as turnês internacionais, quando se tornaram reis na Argentina.
O autor também faz uma defesa dos bateristas, vítimas de bullying desde sempre. “Bateristas são aquelas caras que andam com músicos”, Barone cita uma das várias piadas que perseguem tanto a ele como a seus pares.
Rusga com Lobão
Não faltam rusgas antigas, como a com Lobão. Em dado momento, ele cismou que estava sendo plagiado pela banda. E abriu a boca para a imprensa.
“O Lobão já resolveu isso nos livros dele e hoje está tudo bem, já foi em shows da banda, o Herbert tocava as músicas dele quando estava se recuperando. Mas achava importante, pois foi um momento de decepção, e a gente o tinha como referência. Muita gente falou sobre a história na época, mas ninguém nunca ouviu a versão dos Paralamas”, diz Barone.
Os Paralamas estão atualmente nos estertores da temporada comemorativa das quatro décadas. Barone, em turnê com Call The Police – banda tributo ao Police que mantém com Andy Summers e Rodrigo Santos – acredita que, no início de 2025, o trio retome a rotina de se encontrar para levar um som e compor novas músicas.
“Para mim, os Paralamas são uma somatória dessa amizade e da sintonia que acabamos desenvolvendo. Claro que isto se deve em grande parte ao talento gigantesco do Herbert, um cara visionário que era meio o chefe da gangue, que sempre acreditou muito em nós (Bi e ele), músicos intuitivos”, afirma.
“1,2,3,4! CONTANDO O TEMPO COM OS PARALAMAS DO SUCESSO”
• João Barone
• Máquina de Livros (416 págs.)
• R$ 89 (livro) e R$ 49 (e-book)