O escritor cuiabano Joca Reiners Terron lança “Onde pastam os minotauros” (2023) no Sempre um Papo desta terça-feira (13/8), em Belo Horizonte. O livro cruza a realidade brasileira do início desta década com a mitologia grega, ao situar a figura do minotauro em um abatedouro de carne halal no interior do Mato Grosso.

 


Terron conta que o embrião do projeto remonta há aproximadamente 15 anos, quando visitou uma empresa frigorífica que realizava o abate religioso. Um dos conflitos da obra gira em torno dessa questão. O termo halal é a denominação que recebem os alimentos “adequados” para o consumo de acordo com a lei islâmica. No judaísmo, os alimentos preparados em consonância com as leis judaicas são chamados kosher.

 


No abate halal, o animal não deve ser insensibilizado antes da degola, que deve ser realizada por um sangrador, acompanhado por um supervisor, ambos muçulmanos praticantes, conhecedores dos fundamentos do islã, utilizando faca com lâmina bem afiada, dizendo a frase “em nome de Deus”.

 



No centro da trama de “Onde pastam os minotauros” estão três personagens – Cão, Crente e Lucy Fuerza –, funcionários da empresa frigorífica que veem suas condições de vida, já difíceis, piorarem com a adoção do abate religioso.

 


O Brasil é atualmente o principal exportador de carne halal do mundo e o terceiro de carne kosher. Esse dado serviu como uma espécie de estopim para a feitura de “Onde pastam os minotauros”, segundo Terron. “Meus livros se concretizam quando algum elemento da realidade se cruza com aquilo que eu vinha imaginando em relação ao texto. É necessário um estímulo que venha da realidade. O Brasil se adaptou às exigências desse mercado específico, principalmente de carne kosher. No abate religioso, o animal precisa transmitir sinais de que está vivo, precisa sofrer”, diz.


Conflitos morais

Ele destaca que há conflitos morais no cerne do livro, mas o foco é a precarização do trabalho do trio de protagonistas, bem como da população da cidade que depende do frigorífico. Adotado depois de ter sido encontrado, ainda bebê, em um cocho, Cão é um manejador que tem compaixão pelos bois.

 

Cabe a ele conduzi-los para a morte. Lucy, sua namorada, é a secretária que odeia os patrões, que se preparam para receber o grupo de inspetores religiosos que vai atestar a qualidade da carne. E Crente vive o drama de ter perdido a mulher para a pandemia e ver a filha também doente à beira da morte num hospital, com a culpa de tê-las contaminado.

 


“Cão está completamente louco no presente da narração, tomado por ideias bastante estranhas e conflitantes, depois de passar um período na cadeia”, diz o autor, destacando o fato de que a trama toda transcorre em um dia – a última segunda-feira útil do ano – e é narrada quase que minuto a minuto.

 

Ele pontua que Cão ouve as vozes dos animais, e eles efetivamente falam. “Tem capítulos que são como interlúdios, narrados pelos bois, uma voz coletiva. Eles veem os homens presos à dor moral de quem convive com o abate, e é pela perspectiva dos bois que o mito do minotauro emerge”, pontua.

 


O escritor especula o que sente quem trabalha nesse ambiente e que, em apenas meio expediente, tem que lidar com a degola de 365 cabeças de gado. “Qual a dor moral dessa pessoa? E o que nós, como sociedade, sentimos? Nada disso é explícito no livro, mas é especialmente sentido pelo Cão, que, em meio à sua loucura, talvez seja o único personagem são dessa história.”

 


A narrativa se passa entre 2020 e 2021, antes da chegada das vacinas contra a COVID-19, mas há capítulos que retrocedem a um passado longínquo. Um deles é protagonizado por um sacerdote que participa do taurobolium, rito sagrado da Roma Antiga que consiste no sacrifício de um boi branco.

 

O sacerdote fica em uma espécie de trincheira, o boi é sacrificado em uma estrutura que está acima de sua cabeça, e ele recebe o banho de sangue do animal. O mito do minotauro vem nesse bojo das incursões ao passado.


Clima claustrofóbico

Terron observa que o livro é sua primeira ficção narrada no tempo presente, com os capítulos curtos, o que tem a ver com um desejo de dinamismo. “Isso também acentua certo clima claustrofóbico que a trama pretende passar. A narração em tempo presente foi uma escolha consciente, também porque a ação se passa em um único dia. Quando vou ao passado, ele caminha rumo ao presente.

 

A opção por esse tempo verbal se relaciona, ainda, com a urgência do que acontece no desfecho da história, porque há um plano que é executado, o que pede essa premência do thriller”, diz.

 


O romance apresenta uma narrativa espiralar, com caminhos que conduzem o leitor cada vez mais para dentro do labirinto que o ambiente busca representar. Na expectativa de um acontecimento específico, cada breve capítulo segue num ritmo que só cresce em termos de tensão, conforme aponta o autor.

 


“Onde pastam os minotauros”, segundo Terron, é uma obra sobre o desastre civilizatório, visto por meio da vida miserável dos protagonistas, passando por reflexões diversas, tangendo questões como a pandemia, o insolúvel conflito étnico-religioso no Oriente Médio trazido para o Brasil e a complexidade da condição humana no planeta.

 


JOCA REINERS TERRON
O escritor é o convidado do Sempre um Papo, nesta terça-feira (13/8), às 19h30, no Teatro José Aparecido de Oliveira, da Biblioteca Pública Estadual (Praça da Liberdade, 21, Savassi). Entrada gratuita.

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